28.9.11

Teorias sociológicas: Autores contemporãneos



                                                                                                                      

PARSONS: O ACTOR
ROBERT MERTON

Orientação Motivacional da Acção

I.                   a acção entre dois pólos: interiorização de padrões Vs instrumentalidade da acção
II.                acção vista em termos de problemas a resolver e de gratificações
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* cognitivo           * catético        * avaliativo        SITUAÇÕES E PESSOAS
||                                                                                  

Afectivo                     integrar os aspectos cognitivo e de valores - avaliativo (sem conflito e sem contradição)

O pólo instrumental tem mais a ver com a estrutura da situação. Como oportunidades em função de custos e benefícios.

Qualquer teoria da acção fundada numa racionalidade instrumental – a teoria económica, por exemplo – é absolutamente incapaz de explicar as dinâmicas do sistema de acção.

O significado motivacional das condutas do papel não pode ser o mesmo para todas as personalidades: quando se está a desempenhar papéis isso não esgota todas as motivações e interesses da personalidade: aspectos narcísicos e de criatividade dos actores ficam de fora (a personalidade não é inteiramente mobilizada).

Não tem de haver um ajustamento entre as diferenças constitucionais da personalidade (resultado da socialização) e os papéis existentes e disponíveis nesse momento, o que matiza um pouco a teoria parsoniana.

A principal crítica dirigida a Parsons foi que ele querendo seguir a linha de Weber acabou por se deixar subordinar ao sistema: actor como um mero suporte do sistema, que ainda por cima está super-estruturado (num grau muito elevado).

No entanto, é importante reter que a sociedade, apesar de tudo, é muito mais estruturante do que aquilo que expontaneamente admitimos – efeito de naturalização do social. Só nos apercebemos em situações disruptivas desse efeito. As estruturas existem e orientam as nossas condutas.
Parsons deixou elementos importantes acerca da estruturação do social. Esta vai buscar muitos elementos (referenciais) ao sistema cultural, que está no topo da hierarquia da acção sistémica. Vai-se aí buscar todo um acervo de conhecimentos.

A acção humana tem sempre lugar num quadro de relações sociais e num quadro cultural. Os actores defrontam-se com esse quadro de duas maneiras: tiveram uma experiência de socialização; segundo, estão em situação, que também tem uma determinada estrutura.
Os aspectos catético e avaliativo podem ser aproximados.
Quando se fala de valores está-se também a remeter para aspectos afectivos, mobilizam-nos, se não não são valores.
Durkheim falava de dois aspectos da educação: o aspecto moral (avaliativo) e o aspecto lógico (cognitivo).           
Marx, comentado por Raymond Boudon, a propósito da sua concepção de ideologia: o aspecto das ilusões desculpáveis (pertencem ao aspecto lógico, cognitivo) – são directamente inspiradas pela estrutura da realidade (a propósito da fetichização da mercadoria: não é isso que as pessoas observam através do valor das mercadorias, que oculta as relações sociais de produção; o aspecto dos actores produzem elaborações simbólicas acerca dos seus interesses e objectivos (aspecto avaliativo).
A noção de ethos em Weber (orientação por valores) aproxima-se do aspecto avaliativo.
Em Bourdieu, os esquemas de percepção (avaliativo) e avaliação (lógico) - «o ponto de vista é a vista que se tem a partir de um ponto» - na sua noção de habitus.

A noção de sistema de acção de Parsons é particularmente importante. Chama a atenção para o facto de existirem universos sociais, em diferentes escalas, que têm uma certa autonomia (ganham uma dinâmica própria) e que a sua existência e emergência (multiplicação) é qualquer coisa de típico nas sociedades modernas – diferenciação. Weber também fala em separação, em determinada altura, da arte e da religião.


ROBERT MERTON (1910-2003)

Propõe uma reformulação da perspectiva funcionalista.

  • Crítica da análise funcional
  • Paradigma da análise funcional
  • Actor e estruturas

Crítica
Faz uma crítica a Parsons, indirectamente, através da sua crítica aos antropólogos funcionalistas. A análise dos antropólogos assenta em três postulados (pressupostos) criticáveis:
  1. unidade funcional da sociedade
  2. funcionalismo universal
  3. necessidade funcional

Quanto ao postulado 1, no mesmo está implícito que os elementos culturais e sociais apresentam uma coerência entre si que contribuem para a integração da sociedade.
Merton pensa que as sociedades estão longe de ter o grau de integração que a análise funcionalista pressupõe. Ela deixa escapar que diversos elementos, nos seus requisitos funcionais, podem ter consequências muito diferentes para diversos grupos – a sociedade é também ela fortemente diferenciada. Certas instituições podem ser funcionais para certos grupos e não o ser para outros. Os valores da religião podem estar em contradição com valores não religiosos de outras pessoas que fazem parte da sociedade.
Merton não deixa de fazer o reparo de que as sociedades primitivas não serem tão diferenciadas socialmente como as sociedades modernas.

Quanto ao postulado 2, este tem implícito que todos os elementos sociais e culturais têm uma função. Merton pensa que não é necessariamente assim. Advoga uma análise empírica para observar essa funcionalidade, em relação à sociedade global, e em seguida para a especificação dessa função e dos seus mecanismos.

Quanto ao postulado 3, está implícito que qualquer elemento social ou cultural é indispensável. Se ele for retirado isso prejudica a integração do todo.
Merton desdobra a sua análise neste ponto: nas funções em si mesmas; nos aspectos concretos que podem realizar essas funções – dispositivos.
A análise funcionalista tem presente que não possam existir outros elementos de substituição no desempenho de uma função – elementos equivalentes ou substitutos funcionais: que podem desempenhar a mesma função com igual eficácia. Mertton diz que nem nos organismos biológicos isso é verdade.


O máximo a que podemos aspirar são teorias de médio alcance, a partir de generalizações empíricas de pequena escala.

INTERACCIONISMO SIMBÓLICO
ETNOMETODOLOGIA

Pequena incursão histórica

As raízes do interaccionismo simbólico estão na escola de Chicago – anos 20 e 30 do século XX. Herbert Blumer cunhou o termo em 1938.
George Herbert Mead tem uma formulação mais desenvolvida.
O interaccionismo simbólico espraia-se até aos anos 50, 60. Por exemplo, nos trabalhos de Anselm Strauss.

            Anthony Giddens, Novas regras do método sociológico, 1976.

Características comuns
Dão uma forte ênfase à acção social.
Revelam racionalidades de acção onde se veriam apenas acções irracionais.
A ideia de que as estruturas são muito instáveis, dependendo muito do protagonismo dos actores (excepto em Erwin Goffman).
A reabilitação do papel do actor e especialmente das competências do actor: natureza e características dessas competências              O actor não é um idiota cultural (Garfinkel).

Interaccionismo Simbólico
Escola de Chicago:
William Thomas (1863-1947)             Ideia de definição de situação: os actores não se limitam a receber orientações de conduta, mas participam activamente na definição da situação: se os actores definem situações como reais então são reais as suas consequências.
Ideia de processos de desorganização institucional como terreno de reorganização institucional.
Robert Park (1864-1944)                 A sociedade não confronta os indivíduos apenas com sistemas de coerção, mas pode ser experienciada como fonte de libertação, de inspiração para energias espirituais escondidas.
A ordem social pode ser moral: resulta dos valores na acção colectiva.
A ordem ecológica: resulta dos desvios sistemáticos da acção colectiva das suas intenções ou a ocorrência sistemática de acções não coordenadas.
George Herbert Mead (1863-1931)                        O que diferencia os humanos dos animais é que eles têm um eu que é apreendido reflexivamente: é-se simultaneamente sujeito e objecto. Os homens podem reagir sucessivamente perante determinados tipos de circunstâncias de maneiras diferentes, pois podem rever essas situações de acordo com a sua aprendizagem. Capacidade para tomar relativamente a mim próprio atitudes que os outros tomam relativamente a mim. Ser capaz de adoptar o ponto de vista dos outros, em especial dobre si próprio. Reagimos ao outro generalizado, ao que é típico que os outros pensam sobre nós, pois não podemos reagir sobre o que cada um pensa de nós. Há a partilha de significados e uma comunicação intensa através da linguagem.                Existe uma interacção permanente entre o Me (eu reflexivo) e o I através de um diálogo interno: a reflexividade tempera a tendência de introdução do I de inovação nos papéis sociais: realização de uma síntese do eu no self.
Herbert Blumer (1900-1987)              Crítica da análise das relações entre variáveis, pois esta não permite ter em conta o processo em si mesmo (vê um esquema tipo estímulo-resposta), nem nada diz sobre os actores.  Os actores podem iniciar linhas de acção sem estar à espera que haja condições propícias às mesmas: a acção humana é deliberativa e criativa. As circunstâncias não existem em si mesmo, mas dependem dos nossos propósitos, dos nossos planos, são produto de uma interpretação.
Erwin Goffman (1922-1982)               Focalizou-se nas interacções face a face: os encontros entre os actores. Formalizou coisas que nós já conhecíamos, no entanto, elas, a partir de Goffman, ganham o carácter de revelação. A linguagem verbal, o vestuário, a ornamentação são vistos como importantes na regulação dos encontros. Cada qual quer aparecer como certo tipo de pessoa diante dos outros. O actor tem que ter capacidades de representação de um papel determinado.

  
Discussão: Goffman

  • Consenso operacional
  • Natureza do acordo
  • Projecção inicial (definição da situação) de cada participante
  • Fidelidade de cada um à projecção na sequência de interacções
  • Fachada: cenário; pessoal (aparência, maneira)
  • Acentuada institucionalização das fachadas
  • Dramatização
  • Idealização (ocultação de determinadas coisas negativas no desempenho dos actores
  • Manutenção do controlo expressivo no desenrolar do encontro (linguagem verbal e não verbal); competência dos actores na decifração destes aspectos
  • Trabalho de equipa (fachada/bastidores)




Anselm Strauss (1916-1996)

  • Interacção face a face
  • Dinâmicas organizacionais/ negociação
  • Mundo Social
  • Epistemologia

Sistemas sociais nas organizações na perspectiva do desenvolvimento de processos de negociação permanente – parte integrante da dinâmica da organização. Ordem social negociada. Controvérsia na definição das situações.
Para Strauss, a ideia de negociação não corresponde à mesma circulante no senso comum. Como as ideias de dramatização e de idealização em Goffman. A negociação, muitas das vezes, nem sequer decorre de uma formalização ou dum esforço de explicitação das acções, mas sim da própria trama das interacções. Carácter tácito: não verbalmente expresso e acordado. Ajustamentos que passam pelas posturas corporais, o conteúdo e a forma da verbalização: algo que exige uma observação, avaliação e pressuposição de uma tipicidade de situações, objectos e personalidades.
Strauss estudou equipas que acompanhavam os doentes em hospitais psiquiátricos. De acordo com os graus de patologia e a sua evolução, a estrutura social do grupo (estatutos, papéis) mudava continuamente. A estrutura deveria ser encarada como um processo, apesar dessa estrutura estar à partida razoavelmente codificada.
Strauss desenvolveu a noção de trabalho da doença: trabalho dos sentimentos do doente, trabalho de dar informações ao doente, trabalho de conforto, trabalho de articulação. Há diferentes tipos de trabalho nos processos organizacionais.

Noção de mundo social

Mundo da ópera; mundo do surf, mundo da música country; mundo dos coleccionadores de selo. Caracterizados por uma certa fluidez. Diferente das organizações.
Rede de actores cooperando em actividades específicas: inventam categorias, traçam fronteiras. Há uma certa estruturação e generalidade da mesma. Há interesses comuns. Há relações de concorrência. Existem lugares físicos, geográficos onde essas actividades se desenvolvem, existem tecnologias, procedimentos, uma divisão do trabalho, normas. Tende para uma certa estabilização com o surgimento de instituições especializadas.

Epistemologia

Ideia principal: teoria enraizada. Devemos ser sempre modestos em termos teóricos. Não devemos partir com teorias prévias na análise sociológica. Mas, começar sempre por um inquérito empírico minucioso. Levar a cabo operações como codificação e categorização. Aos poucos deixa-se emergir a teoria em função do que se vai revelando pertinente.


ETNOMETODOLOGIA

Harold Garfinkel é o seu proponente

  • Origens
  • Noções básicas
  • Estudos empíricos

Max Weber         acção social: tem sempre um significado para os actores e tem em conta na sua orientação, as condutas dos outros.

Alfred Schütz argumenta que o conceito de acção social de Max Weber, não coloca suficientemente em evidência a natureza inter-subjectiva do mundo social (mundo de significados partilhados), que está na base da sua objectividade.
Tipificações               Operações e procedimentos do senso-comum que especificam aquilo que é típico. A linguagem é um meio poderoso de produção de tipificações. O conhecimento obtido, que tem uma natureza essencialmente prática, traduz-se num “stock” de conhecimentos. Não procura levar a cabo uma indagação sobre a verdade de forma sistemática como o conhecimento científico (construções de segundo grau), que utiliza uma série de conhecimentos padrão devidamente formalizados e explicitados. Procede por receitas.
O conhecimento científico deve tentar restituir a inteligibilidade das construções de primeiro grau (senso comum).

Aaron Cicourel
Hugh Mehan

O preceito central desta perspectiva é tratar os factos sociais como realizações interactivas de natureza prática. Os factos sociais não são coisas, são realizações práticas dos actores. Têm um carácter auto-organizado e são produzidas no seu decurso localmente. Ela está disponível, é útil e reconhecida pelos protagonistas.
Métodos dos membros            Conjunto dos procedimentos sistemáticos necessários para que a auto-organização das actividades possa ocorrer. Não são problematicamente apreensíveis pelos outros. Membros são aqueles que pertencem à mesma cultura: têm os mesmos métodos de produção e de interpretação das actividades. Requer o domínio progressivo da linguagem comum. Uma vez afiliados no grupo, os seus membros já não se interrogam sobre o que fazem; conhecem os implícitos do quotidiano.

A norma não determina a situação, a norma é utilizada pelos membros, como um recurso, para construir a situação.

As actividades quotidianas devem ser o objecto privilegiado da observação; são a trama do social.

Noção de indexicalidade            A partir da linguagem: as palavras só têm um significado pleno no seu contexto de utilização: a palavra tem que ser indexada ao contexto da troca linguística. Têm uma incompletude natural – presente em todas as formas simbólicas - e não uma significação universal. Todas as trocas sociais apresentam essa propriedade de indexicalidade.

Noção de inteligibilidade                  Racionalidade das acções, o que permite aos actores iniciarem descrições sobre aquilo que fazem e protagonizam. Informação básica para os etnometodólogos. Os actores não têm verdadeiramente consciência do carácter metódico e racional das suas acções, pelo que a etnometodologia pretende reconstituir essas mesmas competências.

Nunca há equivalência entre o jogo e as suas regras. A competência do árbitro não está apenas no conhecimento das regras, mas está na sua competência de as aplicar devidamente. De acordo com a sua conveniência. O actor interpreta-las à sua maneira, de uma forma mais pessoal.





ETNOMETODOLOGIA (fim)

Método documental de interpretação
Identificação de um padrão subjacente ao conjunto de aparências. Para contrabalançar a indexicalidade das interacções e da linguagem (comunicação). Os actores estão activamente empenhados em encontrar padrões de actuação para poderem actuar em conformidade                 os actores mobilizam as suas competências, essencialmente práticas, os seus métodos.
Procuram os actores indícios relevantes subjacentes às interacções no decurso das suas actividades.
O método documental é usado tanto pelos actores membros como pelos sociólogos.

Procedimentos a efectuar, segundo um padrão, para o não familiar da situação (experiência de Garfinkel): dar sentido:
- Atribuição de uma intenção aos actores;
- Esperar pelas respostas seguintes no sentido de as poder articular de uma forma mais congruente, ainda não alcançada               procedimentos retrospectivos-prospectivos (método).

Noção de reflexividade                    Os actores referem-se a elementos básicos do contexto da interacção para poder ir dando sentido ao que se está a passar.

Mehan e Ciccourel fizeram uma observação de sala de aula do ensino primário de como os alunos adquiriam determinado saber; de como se tornavam competentes aos olhos dos professores; de como os alunos lidavam com as regras emanadas dos professores, a partir da totalidade das interacções. Há um saber do social, adquirido pelos alunos, em paralelo com o saber escolar.

Crítica aos testes de capacidade intelectual (Mehan):
- o significado das perguntas que vêm nos testes não é o mesmo para todos; como tal não remetem necessariamente para a capacidade de raciocínio;
- quem aplica os testes não é um elemento neutral no acto da sua aplicação; trata-se de uma interacção social: o resultado dos testes é localmente produzido.

Balanço final da etnometodologia

A ordem social é uma realização permanente: a familiaridade do social é uma espécie de milagre incessantemente renovado.
É a perspectiva que leva mais longe o preceito sociológico de “tornar estranho o que é natural”, ao indagar os métodos dos actores.
Os actores não se interrogam sobre os seus métodos, trata-se de competências de natureza prática que os habilitam nas suas realizações.
Crítica aos métodos “objectivos” utilizados pelos sociólogos profissionais. A qual a própria sociologia incorporou.