12.6.25

Entre o Passado e o Presente: Disposições, Estruturas e a Formação do Comportamento Social

 

A ideia de que o comportamento humano é profundamente influenciado por experiências passadas e contextos sociais adquiridos tem sido desenvolvida em diversas tradições sociológicas. Embora com diferentes enquadramentos teóricos, autores como Pierre Bourdieu, Émile Durkheim, Norbert Elias, Marcel Mauss, Alfred Schutz e Anthony Giddens convergem na análise dos mecanismos que explicam a interiorização de normas, valores e perceções ao longo da vida.

Pierre Bourdieu, com o conceito de habitus, propõe uma abordagem centrada nas disposições incorporadas pelos indivíduos ao longo do processo de socialização. Estas disposições, adquiridas de forma histórica e social, orientam perceções e práticas de modo duradouro. Segundo Bourdieu, o habitus é “estrutura estruturada” porque resulta de condições objetivas passadas, e “estrutura estruturante” porque influencia as ações futuras, ainda que de forma inconsciente. Desta forma, os indivíduos tendem a reproduzir os padrões sociais sem necessidade de coerção exterior visível.

Émile Durkheim, numa abordagem anterior e estruturalista, introduziu o conceito de fatos sociais para descrever formas coletivas de pensar, sentir e agir que se impõem ao indivíduo. Estes fatos são transmitidos através da socialização e exercem um poder coercivo, ainda que interiorizado. Para Durkheim, a sociedade antecede o indivíduo e molda as suas condutas a partir de instituições como a escola, a religião ou a família.

Norbert Elias, por seu lado, explora o longo processo histórico de constituição de comportamentos sociais no que designa por processo civilizacional. A tese central sustenta que a progressiva complexificação das relações sociais gerou uma interiorização crescente do controlo emocional e comportamental. A formação de uma “auto-regulação” das emoções não surge de imposições diretas, mas de transformações estruturais nas formas de convivência social ao longo dos séculos.

Marcel Mauss contribui para esta discussão ao demonstrar, no ensaio As Técnicas do Corpo, que mesmo os gestos mais elementares — como andar, sentar ou nadar — são aprendidos socialmente e não surgem de instintos naturais. Através da noção de “técnicas corporais”, Mauss mostra como as práticas quotidianas são adquiridas por imitação e ajustadas às exigências culturais do grupo a que se pertence.

A fenomenologia de Alfred Schutz introduz outra dimensão: a da experiência subjetiva. Para Schutz, os indivíduos percebem o mundo social através de esquemas de interpretação sedimentados no passado. As ações presentes são, assim, compreendidas com base em significados construídos anteriormente e partilhados socialmente, mesmo sem consciência reflexiva sobre essa herança.

Por fim, Anthony Giddens desenvolve a teoria da estruturação, que, embora dialogue criticamente com Bourdieu, reconhece que as práticas sociais estão enraizadas em estruturas que os indivíduos reproduzem ao agir. A novidade introduzida por Giddens está na ênfase da dualidade estrutura/ação: os indivíduos não são apenas produtos das estruturas, mas também agentes da sua reprodução ou transformação. As rotinas sociais, aprendidas ao longo do tempo, tornam-se recursos mobilizados na ação, contribuindo para a continuidade dos sistemas sociais.

Apesar das diferenças terminológicas e metodológicas entre estes autores, todos partem do princípio de que as atitudes, escolhas e perceções dos indivíduos não se explicam unicamente pela ação racional ou por estímulos imediatos. São, antes, o resultado de processos históricos, culturais e sociais, frequentemente invisíveis ou naturalizados, que moldam a forma como se pensa, sente e age no presente.