11.6.25

Entre a Correção e a Contaminação: Jornalismo, Desinformação e o Efeito da Influência Contínua

 

A emergência da desinformação enquanto força estrutural nos ecossistemas mediáticos contemporâneos revelou não apenas a fragilidade dos públicos face à manipulação, mas também as limitações do jornalismo na sua função corretiva. Ao contrário do ideal normativo de “corrigir o erro e restabelecer a verdade”, vários estudos demonstram que a exposição inicial a uma informação falsa ou enganadora continua a influenciar os indivíduos mesmo depois de essa informação ter sido desmentida. Este fenómeno, conhecido como efeito da influência contínua (continued influence effect), coloca em causa a eficácia do jornalismo tradicional como instância de verificação e mediação da realidade.

O Conceito e os Seus Fundadores

O efeito da influência contínua foi primeiramente descrito por psicólogos cognitivos como Stephan Lewandowsky, Ullrich K. H. Ecker e David K. Sears, através de estudos experimentais que demonstravam como a correção posterior de uma notícia falsa raramente eliminava o seu impacto original. Num dos seus estudos mais citados, Lewandowsky e Ecker apresentaram a participantes uma narrativa sobre um incêndio num armazém que, inicialmente, atribuía a causa a materiais inflamáveis. Apesar de a informação ter sido posteriormente corrigida, a maioria dos participantes continuava a referir os materiais como causa provável do acidente (Lewandowsky et al., 2012).

Este padrão repete-se em domínios como política, saúde pública ou catástrofes, onde os media desempenham um papel central na circulação e legitimação da informação. A persistência do erro não decorre apenas da falibilidade humana, mas sobretudo da forma como o jornalismo estrutura a narrativa, dá primazia ao ineditismo e nem sempre garante a visibilidade ou a força retórica das correções.

A Ilusão da Correção e a Responsabilidade Jornalística

A crença de que basta corrigir para “anular” o impacto de uma mentira revela uma ingenuidade epistemológica no seio das práticas jornalísticas. Como demonstram Pennycook e Rand (2019), a simples marcação de uma notícia como falsa não é suficiente para neutralizar o seu efeito se esta já tiver sido interiorizada como plausível. A repetição, a familiaridade e o enquadramento emocional aumentam a credibilidade percebida da desinformação — um fenómeno designado por illusory truth effect, também identificado por Fazio et al. (2015).

A este respeito, os media não são apenas vítimas da desinformação: são também vetores da sua circulação inicial, sobretudo quando priorizam a velocidade à verificação. A dependência de breaking news, a pressão das audiências e a lógica de mercado favorecem a publicação prematura de conteúdos ainda não confirmados, que ganham tração antes que os factos possam ser solidamente verificados. Mesmo quando corrigidos posteriormente, o dano cognitivo está feito — e raramente é revertido.

Fact-checking e os Seus Limites

Organizações de fact-checking têm procurado contrariar este efeito, mas enfrentam barreiras semelhantes. Segundo Brashier e Marsh (2020), correções são mais eficazes quando incluem uma explicação plausível alternativa e são apresentadas de forma clara, visualmente apelativa e com fontes credíveis. No entanto, os media convencionais muitas vezes apenas negam ou desmentem, sem contextualizar ou oferecer uma narrativa substitutiva — o que, paradoxalmente, pode reforçar a crença original.

Além disso, o fenómeno do backfire effect (Reifler & Nyhan, 2010) sugere que, em contextos polarizados, as correções podem ser interpretadas como um ataque ideológico, reforçando a desconfiança e cristalizando as crenças. Embora este efeito tenha sido relativizado em estudos mais recentes, o seu impacto em temas politicamente carregados continua a ser uma preocupação real para jornalistas.

Prebunking: A Prevenção como Estratégia

Uma abordagem mais promissora é a do prebunking ou inoculação — isto é, a introdução de informação correta antes que o indivíduo seja exposto à desinformação. Lewandowsky e Cook (2020), no "Debunking Handbook 2020", argumentam que alertar previamente para as técnicas retóricas usadas na manipulação de informação pode reduzir significativamente a sua eficácia. No entanto, esta abordagem preventiva exige planeamento editorial, educação mediática e cooperação entre jornalistas, académicos e plataformas digitais — algo que ainda está longe de ser prática corrente.

Entre a Ética e o Algoritmo

Por fim, o efeito da influência contínua obriga os jornalistas a refletir não apenas sobre o quê noticiar, mas como e quando o fazer. Numa era em que as plataformas algoritmizadas amplificam conteúdos sem distinção entre verdade e falsidade, os media devem assumir uma função crítica e autoconsciente: questionar a sua cumplicidade nos ciclos virais de desinformação e desenvolver formas de comunicação que reconheçam os limites cognitivos do seu público.

Correções discretas em rodapés, desmentidos tardios ou declarações neutras não são suficientes. É necessário repensar o jornalismo não como reparador da verdade, mas como mediador de complexidade, antecipando a manipulação e educando para a incerteza. Tal como alertou Norbert Schwarz (2016), "as pessoas não acreditam naquilo que é verdadeiro; acreditam no que lhes soa familiar". Tornar a verdade familiar — repetida, compreensível e emocionalmente relevante — pode ser o maior desafio ético e estratégico do jornalismo no século XXI.


Referências:

  • Lewandowsky, S., Ecker, U. K. H., Seifert, C. M., Schwarz, N., & Cook, J. (2012). Misinformation and Its Correction: Continued Influence and Successful Debiasing. Psychological Science in the Public Interest.
  • Lewandowsky, S. & Cook, J. (2020). The Debunking Handbook 2020.
  • Fazio, L. K., Brashier, N. M., Payne, B. K., & Marsh, E. J. (2015). Knowledge Does Not Protect Against Illusory Truth. Journal of Experimental Psychology.
  • Pennycook, G., & Rand, D. G. (2019). Lazy, Not Biased: Susceptibility to Partisan Fake News Is Better Explained by Lack of Reasoning Than by Motivated Reasoning. Cognition.
  • Nyhan, B., & Reifler, J. (2010). When Corrections Fail: The Persistence of Political Misperceptions. Political Behavior.
  • Schwarz, N., Newman, E., & Leach, W. (2016). Making the Truth Stick & the Myths Fade: Lessons from Cognitive Psychology. Behavioral Science & Policy.

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