A emergência
da desinformação enquanto força estrutural nos ecossistemas mediáticos
contemporâneos revelou não apenas a fragilidade dos públicos face à
manipulação, mas também as limitações do jornalismo na sua função corretiva. Ao
contrário do ideal normativo de “corrigir o erro e restabelecer a verdade”,
vários estudos demonstram que a exposição inicial a uma informação falsa ou
enganadora continua a influenciar os indivíduos mesmo depois de essa informação
ter sido desmentida. Este fenómeno, conhecido como efeito da influência
contínua (continued influence effect), coloca em causa a eficácia do
jornalismo tradicional como instância de verificação e mediação da realidade.
O Conceito e os Seus Fundadores
O efeito da
influência contínua foi primeiramente descrito por psicólogos cognitivos como Stephan
Lewandowsky, Ullrich K. H. Ecker e David K. Sears, através de
estudos experimentais que demonstravam como a correção posterior de uma notícia
falsa raramente eliminava o seu impacto original. Num dos seus estudos mais
citados, Lewandowsky e Ecker apresentaram a participantes uma narrativa sobre
um incêndio num armazém que, inicialmente, atribuía a causa a materiais
inflamáveis. Apesar de a informação ter sido posteriormente corrigida, a
maioria dos participantes continuava a referir os materiais como causa provável
do acidente (Lewandowsky et al., 2012).
Este padrão
repete-se em domínios como política, saúde pública ou catástrofes, onde os
media desempenham um papel central na circulação e legitimação da informação. A
persistência do erro não decorre apenas da falibilidade humana, mas sobretudo
da forma como o jornalismo estrutura a narrativa, dá primazia ao ineditismo e
nem sempre garante a visibilidade ou a força retórica das correções.
A Ilusão da Correção e a Responsabilidade Jornalística
A crença de
que basta corrigir para “anular” o impacto de uma mentira revela uma
ingenuidade epistemológica no seio das práticas jornalísticas. Como demonstram Pennycook
e Rand (2019), a simples marcação de uma notícia como falsa não é
suficiente para neutralizar o seu efeito se esta já tiver sido interiorizada
como plausível. A repetição, a familiaridade e o enquadramento emocional
aumentam a credibilidade percebida da desinformação — um fenómeno designado por
illusory truth effect, também identificado por Fazio et al. (2015).
A este
respeito, os media não são apenas vítimas da desinformação: são também vetores
da sua circulação inicial, sobretudo quando priorizam a velocidade à
verificação. A dependência de breaking news, a pressão das audiências e
a lógica de mercado favorecem a publicação prematura de conteúdos ainda não
confirmados, que ganham tração antes que os factos possam ser solidamente
verificados. Mesmo quando corrigidos posteriormente, o dano cognitivo está
feito — e raramente é revertido.
Fact-checking e os Seus Limites
Organizações
de fact-checking têm procurado contrariar este efeito, mas enfrentam
barreiras semelhantes. Segundo Brashier e Marsh (2020), correções são
mais eficazes quando incluem uma explicação plausível alternativa e são
apresentadas de forma clara, visualmente apelativa e com fontes credíveis. No
entanto, os media convencionais muitas vezes apenas negam ou desmentem, sem
contextualizar ou oferecer uma narrativa substitutiva — o que, paradoxalmente,
pode reforçar a crença original.
Além disso,
o fenómeno do backfire effect (Reifler & Nyhan, 2010) sugere que, em
contextos polarizados, as correções podem ser interpretadas como um ataque
ideológico, reforçando a desconfiança e cristalizando as crenças. Embora este
efeito tenha sido relativizado em estudos mais recentes, o seu impacto em temas
politicamente carregados continua a ser uma preocupação real para jornalistas.
Prebunking: A Prevenção como Estratégia
Uma
abordagem mais promissora é a do prebunking ou inoculação — isto é, a
introdução de informação correta antes que o indivíduo seja exposto à
desinformação. Lewandowsky e Cook (2020), no "Debunking Handbook
2020", argumentam que alertar previamente para as técnicas retóricas
usadas na manipulação de informação pode reduzir significativamente a sua
eficácia. No entanto, esta abordagem preventiva exige planeamento editorial,
educação mediática e cooperação entre jornalistas, académicos e plataformas
digitais — algo que ainda está longe de ser prática corrente.
Entre a Ética e o Algoritmo
Por fim, o
efeito da influência contínua obriga os jornalistas a refletir não apenas sobre
o quê noticiar, mas como e quando o fazer. Numa era em que
as plataformas algoritmizadas amplificam conteúdos sem distinção entre verdade
e falsidade, os media devem assumir uma função crítica e autoconsciente:
questionar a sua cumplicidade nos ciclos virais de desinformação e desenvolver
formas de comunicação que reconheçam os limites cognitivos do seu público.
Correções
discretas em rodapés, desmentidos tardios ou declarações neutras não são
suficientes. É necessário repensar o jornalismo não como reparador da verdade,
mas como mediador de complexidade, antecipando a manipulação e educando
para a incerteza. Tal como alertou Norbert Schwarz (2016), "as
pessoas não acreditam naquilo que é verdadeiro; acreditam no que lhes soa
familiar". Tornar a verdade familiar — repetida, compreensível e
emocionalmente relevante — pode ser o maior desafio ético e estratégico do
jornalismo no século XXI.
Referências:
- Lewandowsky, S., Ecker, U. K. H., Seifert, C. M.,
Schwarz, N., & Cook, J. (2012). Misinformation and Its Correction:
Continued Influence and Successful Debiasing. Psychological Science in
the Public Interest.
- Lewandowsky, S. & Cook, J. (2020). The
Debunking Handbook 2020.
- Fazio, L. K., Brashier, N. M., Payne, B. K.,
& Marsh, E. J. (2015). Knowledge Does Not Protect Against Illusory
Truth. Journal
of Experimental Psychology.
- Pennycook, G., & Rand, D. G. (2019). Lazy,
Not Biased: Susceptibility to Partisan Fake News Is Better Explained by
Lack of Reasoning Than by Motivated Reasoning. Cognition.
- Nyhan, B., & Reifler, J. (2010). When
Corrections Fail: The Persistence of Political Misperceptions. Political Behavior.
- Schwarz, N., Newman, E., & Leach, W. (2016). Making
the Truth Stick & the Myths Fade: Lessons from Cognitive Psychology.
Behavioral
Science & Policy.
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