5.6.25

A Resiliência das Conquistas Justas e Fundamentais: Um Olhar Académico sobre a Persistência dos Ideais Humanos Universais

 

A história da humanidade é, em grande parte, a história da luta por direitos, liberdades e um modo de vida mais justo. Contudo, esta jornada nem sempre é linear. Frequentemente, assistimos a períodos de avanço, seguidos por momentos de recuo ou "interregno" conservador, que parecem ameaçar a própria existência das conquistas obtidas. No entanto, uma análise aprofundada da história e da teoria política sugere que as conquistas verdadeiramente justas e fundamentais, aquelas que ressoam com aspirações humanas universais, possuem uma notável resiliência, emergindo ou persistindo apesar das tentativas de as suprimir.

O Caso da Revolução Francesa e a Irreversibilidade dos Ideais Liberais

Um dos exemplos mais paradigmáticos da resiliência das conquistas justas é o da Revolução Francesa (1789). Os seus ideais de liberdade, igualdade e fraternidade transformaram radicalmente a paisagem política e social da Europa. O fim do absolutismo monárquico, a abolição dos privilégios feudais e a proclamação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão representaram um avanço sem precedentes na consagração dos direitos individuais e da soberania popular.

Contudo, o período pós-revolucionário foi marcado por instabilidade, radicalismo e, eventualmente, pela ascensão de Napoleão Bonaparte e, subsequentemente, pela Restauração Monárquica com o Congresso de Viena (1815). Este último representou uma tentativa concertada das potências conservadoras europeias de reverter o relógio histórico, restaurar os antigos regimes e suprimir as ideias liberais. Parecia que as conquistas revolucionárias tinham sido anuladas.

No entanto, como argumenta Eric Hobsbawm em A Era das Revoluções, os ideais da Revolução Francesa já tinham sido inoculados na consciência europeia. As reformas napoleónicas, paradoxalmente, ajudaram a disseminar elementos do Código Civil e princípios administrativos modernos por grande parte do continente. As sementes do liberalismo e do nacionalismo, lançadas em 1789, não puderam ser desfeitas. O século XIX foi palco de sucessivas ondas revolucionárias (1830, 1848), que, embora nem sempre vitoriosas de imediato, demonstram a persistência e a gradual afirmação desses ideais. A soberania popular e os direitos individuais, uma vez concebidos e experimentados, tornaram-se aspirações universais que não podiam ser permanentemente contidas.

A Persistência de Direitos Inalienáveis e a Dignidade Humana

Para além de revoluções específicas, a ideia de que certas conquistas são inalienáveis e persistem reside na própria noção de direitos humanos universais. Filósofos como John Locke, com a sua teoria dos direitos naturais à vida, liberdade e propriedade, argumentaram que estes direitos precedem o Estado e são inerentes à condição humana. Embora a sua implementação possa ser desafiada, a sua reivindicação subjaz a muitos movimentos de libertação e justiça social.

Mesmo sob regimes autoritários ou em períodos de forte supressão, a aspiração à liberdade de expressão, à justiça e à dignidade humana permanece latente. Amartya Sen, na sua obra sobre a justiça como equidade, sugere que a capacidade das pessoas de funcionar plenamente e de ter acesso a oportunidades é uma medida fundamental do desenvolvimento humano e da justiça. Quando estas capacidades são negadas, a semente da resistência e da busca por um futuro melhor é plantada. A busca por esses direitos pode ser temporariamente silenciada, mas a memória da sua ausência ou a aspiração à sua conquista continua a impulsionar a ação humana.

Conquistas Que Permanecem Apesar da Adversidade

Além do ressurgimento após um interregno, há conquistas que, embora constantemente ameaçadas, conseguem manter-se. A separação de poderes, teorizada por Montesquieu em O Espírito das Leis, é um exemplo. Embora governos autoritários possam tentar concentrar o poder, a ideia de pesos e contrapesos e a importância de instituições independentes (como o sistema judicial) persistem como um ideal normativo e uma salvaguarda contra a tirania. A sua aplicação prática pode ser falha, mas o conceito em si é difícil de erradicar da teoria política e das aspirações populares.

Outro exemplo é o próprio Estado de Direito. Mesmo em contextos de fragilidade democrática, a exigência de que todos estejam sujeitos à lei, incluindo os governantes, e que as decisões sejam tomadas com base em princípios claros e não no arbítrio, continua a ser uma aspiração fundamental. A luta contra a corrupção e o abuso de poder, presente em quase todas as sociedades, atesta a persistência deste ideal.

O Papel da Memória e da Educação

A resiliência das conquistas justas é também reforçada pela memória coletiva e pela educação. A transmissão de histórias de luta, de avanços e de retrocessos, mantém vivos os ideais e as aspirações. Hannah Arendt, ao discutir a condição humana e a importância da ação política, sublinha como a capacidade de "fazer novas coisas" e de iniciar processos é central para a liberdade humana. A memória das conquistas passadas serve de inspiração e de base para futuras ações.

Conclusão

Em suma, a história e a teoria política oferecem um forte argumento para a resiliência das conquistas justas e fundamentais que ressoam com aspirações humanas universais. Embora as sociedades possam experimentar "viragens conservadoras" e tentativas de supressão, os ideais de liberdade, igualdade, dignidade e justiça são difíceis de erradicar. Eles podem ser temporariamente abrandados ou distorcidos, mas a sua inerente atração para a condição humana garante que, mais cedo ou mais tarde, ou ressurgem com força renovada, ou persistem como um bastião contra a regressão. É uma mensagem de esperança, mas também um lembrete da necessidade contínua de vigilância e defesa dessas conquistas.

 

 

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