13.6.07

O bom gosto cultural


Também deve ser colocada a questão sobre a ordem cultural legítima. O sistema do gosto expressa uma ordem cultural legitima que apesar de ter variações em vários sectores mantém-se sempre a mesma.

Nos dias de hoje será difícil encontrar uma cultura legitima porque aquilo que em certo momento do tempo tende a ser considerado obra de arte tem concorrência que a ameaça constantemente. As próprias hierarquias dos campos culturais flutuam com o valor cultural. Deste modo pensar que há uma única cultura legítima, não corresponde à realidade.

O consumo cultural, segundo Pierre Bourdieu resulta de um processo de distinção social. “O sentido da leitura resulta do sentido da distinção. As pessoas lêem e tendem a dizer que lêem mais do lêem para se distinguirem das outras que não o fazem”. Se a difusão do livro fosse tal, ele não seria um elemento de distinção nos processos de distinção social. Por isso as elites classificam como ‘lixo’ todos os bens culturais que estando tão banalizados não servem para distinção cultural.

Apesar disso, as práticas culturais não se esgotam nas culturas das elites, quaisquer bens ou produtos culturais ou simbólicos, ao serem consumidos têm múltiplos entendimentos. A recepção cultural é sempre criativa emprestando diferentes significados à recepção cultural e gerando um gosto que, todavia, não corresponde ao gosto dos grupos que produzem os bens culturais. Nesse sentido, a democratização da cultura faz com que ela deixe de ser elitista, esvaziando as elites do poder de descodificação e definição das fronteiras culturais.

Consumo e práticas culturais



Acerca do livro de Pierre Bourdieu sobre o Gosto Cultural

A transgressão proposta por Pierre Bourdieu é abolir uma fronteira entre cultura legítima para descobrir a teia de relações inteligíveis que unem as escolhas em matérias que aparentemente não têm nada a ver umas com as outras, tal como as preferências em matéria de música e culinária ou pintura e desporto.

Em “La distintion, la critique social du jugement”, o que materializa a grande preocupação do autor é saber como os sistemas culturais de bens aprendidos e os modos de consumir esses bens variam segundo as diferentes categorias dos agentes e também segundo os domínios culturais específicos a que se aplicam.

Bourdieu encontra um elo entre as praticas culturais, o capital escolar e a origem social. O capital escolar é uma das categorias de Pierre Bourdieu no capital cultural.

Os três estados do capital cultural

O capital cultural pode existir por três formas:

1 – No estado incorporado
2 – No estado objectivado (quadros, livros, máquinas, instrumentos, etc.)
3 – No estado institucionalizado (títulos académicos)

A alquimia cultural institui o capital pela magia colectiva. Isto é: assume propriedades institucionais comparando os títulos e estabelecendo taxas de conversão económica.

As três modalidades da existência do capital cultural.

Apesar do ênfase no estado institucional, Pierre Bourdieu sublinha que não podemos esquecer o estado incorporado e, por isso Bourdieu aponta aos processos como o capital social se incorpora, sublinhando que a aquisição do capital escolar não se cinge ao tempo de aquisição. Temos de associar a educação familiar e o capital na família de origem.

A distribuição de capital cultural pelas famílias é uma teia complexa que radica no capital cultural acumulado na família de origem e que reproduz a estrutura do capital cultural quando este é tomado como capital de referência. Mas os percursos pessoais académicos também podem produzir mais ou menos qualificações. Deste modo, a incorporação de capital cultural é um conjunto de predisposições para um sentido.

Há uma relação dialéctica entre o capital cultural incorporado e o capital cultural objectivado. Se é verdade que no estado objectivado o capital cultural não pode ser apropriado por inteiro, por um conjunto de agentes, ele uma vez incorporado e apropriado de forma de forma material e simbólica, transforma-se em ‘armas’ que dão benefícios aos agentes.

Assim, o capital cultural sem a forma incorporada não faz sentido, pelo que o essencial não é tanto a apropriação de capital cultural, mas antes um jogo de apropriação de capital simbólico. O capital cultural incorporado é um poder. Um poder de descodificação e decifração de bens. A decifração do capital cultural estabelece uma correlação entre o capital escolar e as classes sociais.

As notas escolares não são apenas avaliações do saber, são também medidas da nossa distância na apropriação de saber. Por um lado, o capital cultural institucionalizado, por outro o capital incorporado.

Nas categorias de cultura há duas categorias fundamentais: Professores e Alunos. São eles, juntamente com os Mediadores Culturais que decifram e estabelecem as taxas de conversão do capital cultural.

Criticas a Pierre Bourdieu

O capital cultural começa em zero e não tem limite. Como outro capital corre-se o risco de pensar em acumulação e exclusão. O princípio fundamental é o de posse e não posse de capital cultural. Ora significa que as pessoas sem capital cultural seriam sempre dominadas, porque não têm esse capital.

Uniformização à escala global



Somos levados a pensar que a padronização cultural conduz a produtos uniformizados. Não é bem assim. As indústrias culturais, porque não podem ignorar novos meios de difusão como a Internet, tendem a desenvolver uma oferta cultural multiforme, suscitando culturas variadas.

A verdade é que as indústrias culturais se organizam em lógicas de concorrência, disputando públicos. Ora, essa concorrência suscita lógicas de inovação cultural. Mesmo a produção mediática não impede a reciclagem cultural através da atribuição de novos significados e desenvolvendo reportórios simbólicos alternativos, dentro de certos limites (esta relação não tem que ser politizada).
Houve uma expansão dentro das indústrias culturais, associada a uma lógica de concorrência. A inovação cultural leva os actores a desenvolverem estratégias de inovação que associada à concorrência produz objectos artísticos diversificados, a par de um poder padronizador. As indústrias culturais também não pertencem a um sistema único, antes diferenciam-se de acordo com cada uma das indústrias culturais.

Todas estas influências têm um efeito à medida da dependência económica. Os que dependem ais da difusão do que da produção são mais sensíveis a esta lógica. No caso do cinema, observa-se uma progressiva integração resultante dos custos de promoção dos filmes (muito maiores que a produção). Temos de observar as diferentes indústrias culturais para perceber as diferenças entre elas. Umas privilegiam mais a produção e são mais sensíveis ao capital, outras a distribuição e mais dependentes do público.

No caso da TV é diferente. Não vende produtos, mas sim publicidade (no caso da TV comercial) assim a sua oferta converge para combinar audiência de potenciais consumidores e os produtos que vão atrair os consumidores desejados. Mas na TV as audiências minoritárias podem constituir audiência a que se deve dar atenção. Isto é mais evidente nos canais temáticos.

Na música ainda é mais curioso, porque é muito sensível ao efeito geracional e acompanha os gostos dos adolescentes imprimindo à indústria cultural uma constante renovação da cultura. Favorece a inovação porque ao contrário da indústria cinematográfica os custos são mais reduzidos.

Deste modo, falar de indústrias culturais não é falar de uniformização. Há lógicas de concorrência e as diferentes indústrias têm particularidades diversas. Já a afirmação de culturas específicas ou culturas regionais resultam de uma relação de poder: poder dos media para modificar gostos ou poder de tornar a produção regional residual e periférica.

12.6.07

Mediadores e Militantes culturais

Mediadores e Militantes culturais

Mediadores culturais

Qualquer mediação gera uma ideologia.

Os professores são os principais mediadores culturais. Eles representam os fundamentos da ideologia escolar quando um deles não está de acordo com a ideologia é considerado um mau professor pelos seus pares.

Quer devido à linguagem, quer devido aos esquemas catalizadores, distinguimos duas categorias de cultura tecnocrática. O espírito do mediador formatado numa lógica tecnocrática tende a pecar pelo etnocentrismo.

Militantes culturais

São uma espécie de outro género. Ao contrário do intermediário cultural, os militantes chegam à acção na maior parte dos casos, através de um percurso escolar. Os militantes provêm de áreas de formação específica e representam as atitudes e o ‘ethos’ das populações onde vivem. É portanto na popularidade da cultura que fundamentam o seu apoio.

Enquanto que os intermediários representam os tecnocratas, os militantes identificam-se com o grupo. Eles acreditam que representam a população onde pretendem actuar. a ilusão do militantismo cultural e a do militantismo politico é emprestar os valores, interesses e motivações que eles próprios transportam com o seu voluntarismo, enquanto que os mediadores negligenciam as áreas e as populações onde actuam.

A democratização da cultura depende democratização cultural.

Por um lado estes profissionais (e também amadores) vão gerar novas clientelas da cultura, constituindo eles próprios parte dessa clientela.

Por mais banal que seja, um objecto pode adquirir um valor cultural. Mas, ao mesmo tempo a cultura enfatiza uma separação entre a arte e a vida quotidiana. Deste modo é importante diferenciar entre “estética do quotidiano” e “estetização do quotidiano” pela qual as vanguardas artísticas se bateram do sec 20.

Nessa altura proclamava-se o fim da oposição entre arte e vida quotidiana, defendendo-se o valor artístico da arte industrial. O objecto passava a ter valor artístico quando o artista diz que assim é. Alguns artistas defendiam novos critérios culturais e diziam que a morte da cultura académica estava anunciada. Agiam e actuavam contra o cânone universitário. É uma estetização alicerçada numa componente de consumo em função da democratização e como um princípio boémio do controlar das emoções. A propagação deste ‘ethos’ foi veiculada por intermediários sociais ligados às indústrias culturais e mediáticas.

Os novos mediadores culturais estão associados aos media e, por isso podem acrescentar valor à sua mensagem. Estes intermediários culturais têm sido ajudados pela forte ligação entre cultura e tempos livres. Esta combinatória tem a sua consequência: a cultura é do domínio do ócio e não do negócio. A cultura como diversão e da forma de apresentação do eu, que entronca nos valores culturais da moda, publicidade, prazer.

A estetização do quotidiano tornou mais difícil saber o que é e o que não é cultura, tornando as velhas fronteiras obsoletas. Conhecer a cultura é saber como é que certas concepções vingaram e detrimento de outras. Este processo não é uni-direccional e, ao ser transmitido é modificado. Um processo descrito por Goffman no estudo sobre as imagens publicitárias.

A publicidade utiliza o ritual do quotidiano exagerando as convenções pelas quais os nossos rituais quotidianos se regem. Os consumidores reagem às imagens e manipulam-nas, produzindo novos significados, e por isso produzindo novas imagens. Mas produtores e realizadores não estão no mesmo nível e estão ambos submetidos à lógica da realidade económica.

Politicas Culturais

A sociologia em França tem sido chamada a participar nas politicas culturais. A ideia de politica cultural coincide com a criação do ministério dos assuntos culturais em 1959 (André Malraux) quando se instalam uma série de princípios, reportórios e departamentos que institucionalizam a política cultural e que ainda hoje se mantêm bem vivos.

A concepção de politicas culturais do estado, desenvolvida por André Malraux, quer através da prática (pelo delineamento burocrático), quer ideologia (em resultado das opções seguidas) encontrou três oposições:

- Educação Nacional
- Belas Artes (cânone das belas artes francesas)
- Educação Popular

Malraux faz convergir duas tendências: por um lado a critica ao ensino artístico e por outro, a reivindicação de que o povo teria direito à cultura, contra a cultura de elites.
Simultaneamente é dado impulso aos novos artistas da modernidade estética e da vanguarda artística. Malraux aproxima ainda o ministério de certos temas das elites modernizadoras da sociedade francesa, deste modo protagonizando a modernização da sociedade. Com esta associação o ministro atribui ao estado o papel de locomotiva da sociedade francesa.

A politica cultural definiu-se como uma ideia de reformadores contra o cânone e contra as instituições existentes e que prolongavam a influencia das elites. Malraux protagonizou assim o combate contra a rigidez e o imobilismo da sociedade francesa dos anos 50.

As oposições conceptuais de Malraux

Cultura versus Educação
Modernidade versus Tradição
Cultura versus Diversão

As políticas culturais do estado que visavam combater o conformismo artístico, tinham gerado um novo conformismo ao substituir os tradicionalistas pelos modernistas. As políticas culturais acabaram por se resumir ao financiamento dos serviços.

André Malraux retoma a noção de alienação dos marxistas à cultura de massas. Mas com o passar dos anos, a critica ao entretenimento passou para critica ao entretenimento americano, traduzido numa alienação e rendição à cultura americana.

Aqui vemos a origem das retóricas identitárias e do conceito de que o estado deve contribuir para manter a identidade cultural francesa. Para isso, o estado financiou a instalação de instituições francesas no estrangeiro para manter a presença da língua e cultura francesa. Falharam.

Em Portugal só nos anos 80 é que se formam politicas culturais, seguindo o modelo francês. Até 1944 o equivalente às politicas da cultura eram da competência do Secretariado da Propaganda Nacional, depois essas competências passam para o SNI, mas continuam a sustentar-se na propaganda da cultura oficial do regime, enquanto que as artes estão na dependência do ministério da educação.

Em 1974 a cultura autonomiza-se. Criam-se campanhas de alfabetização e de divulgação cultural. Todavia, estas campanhas são alvo de criticas porque não respeitam as culturas regionais. É uma relação de centro para a periferia.

No governo de Maria de Lurdes Pintasilgo aparece uma definição de cultura que ocupa lugar no programa do governo. Nessa altura cria-se o primeiro ministério dos assuntos culturais e da ciência. As políticas culturais de então visam democratizar o acesso aos bens culturais, a preservação do património, preservação da identidade nacional e de identidades culturais. A política cultural nacional, a partir dos anos 80 passa a apoiar a divulgação da língua portuguesa.

Quando Manuel Maria Carrilho chega a ministro da cultura a tendência europeia é já de desestatização, porém esse não é o caminho seguido pelo governo português.

Para a sociologia as politica culturais são um aspecto de objectivação sociológica.

Os níveis de cultura



- Cultura cultivada
- Cultura popular
- Cultura de massas

Apesar das clivagens entre cultura clássica ou cultivada e a cultura do povo ou popular, estas culturas unem-se para avaliar negativamente a cultura de massas. Ambas se caracterizam pela perenidade e autenticidade. Uma e outra são contraponto à cultura de massas que não será nem perene nem autentica.

Valerá a pena dividir a cultura destas três maneiras?
A reposta é não.

Vale a pena, porém, analisar as pequenas e grandes tradições nas sociedades capitalistas. A pequena e a grande tradição, ou a cultura popular e a erudita tinham trocas frequentes no início da sociedade capitalista.

Se a pequena tradição era aberta a todos, e transmitida nas praças, teatros, etc., a grande tradição era transmitida em lugares reservados e em latim. Todavia, as trocas eram frequentes e havia figuras que mediavam a pequenas e a grande cultura. Artesãos, músicos, baixo clero, amas e actores eram alguns dos elementos que mesclavam elementos eruditos e populares em lugares públicos. Mas estas trocas não eram pacíficas, como mostra a medicina, espaço ocupado por médicos e cirurgiões que concorriam com bruxas e charlatães.

Estas culturas não são homogéneas. Tal como o espaço social simbólico também não é homogéneo.

Interessa também pensar em centros e periferias de consumo cultural.

A simplificação que se objectiva na cultura popular é uma ficção bem fundamentada com raízes históricas profundas que não podem ser pensadas independentemente das diferentes espécies de capital observado.

Com a centralização do poder politico no soberano a violência física legítima e a violência simbólica, levou a uma progressiva “domesticação dos corpos e das almas”, um processo que implicou uma fortíssima repressão das culturas populares e implicou o acantonamento das culturas populares.

Ao mesmo tempo surge a sociedade cortesã que contribuiu para cavar o fosso entre a grande e a pequena tradição. Surgem clivagens nos modos de falar a língua nativa (o cortesão não usa vernáculo) e institucionaliza-se como tradição e hierarquia. A sociedade da corte instaurou estes dois universos.

O romantismo no sec. 18 não mina estas divisões entre cultura popular e cultura de corte. De certo modo a cultura popular, tal como é entendida hoje, resulta de uma produção dos românticos, ao ficcionar a pureza de um povo com uma cultura ancestral.
Esta formulação produzida pelo romantismo contribuiu para reforçar a oposição das duas culturas mas acentuando a homogeneidade dentro de cada uma delas.

Foi a industrialização e a entrada do capital económico na produção em série que levou ao alargamento da cultura erudita e às modificações na divisão da pequena e grande tradição. Essa alteração começa com a literatura de cordel, pelas estampas e cópias de quadros e pelos primeiros espectáculos comerciais.

O processo de massificação da cultura conduz ao ‘drama do artista’. Quando se pensou que o publico libertava o artista das ‘grilhetas’ do patrono, verificou-se rapidamente que aquele continuava condicionado aos desejos de uma massa popular. Na prática, substituiu-se um mecenas por outro, sem vantagem para o artista.

Os críticos e os artistas

Os críticos artísticos surgem no sec 18 e permanecem como delimitadores das fronteiras entre um universo e outro. Hoje estão perfeitamente institucionalizados.

No sec 19, a produção que é orientada para um público alargado é a chamada arte burguesa, enquanto que aquela que é destinada a um público restrito toma a forma de ‘arte pela arte’. Esta oposição construída deste modo é um produto do sec 19 que foi explorado como filão da história da arte no sec 20.

A ‘arte pela arte’ leva ao culto da raridade da obra e do estatuto do criador singular. Mas para esta legitimação foi essencial o papel do crítico de arte, constituído como guardião e sacerdote do culto que se condensa no papel de poder anunciar ou denunciar o artista.
Desse ponto de vista são um produto de lógica mercantil (o artista e o critico) ao preservar uma arte ou uma obra da contaminação económica.

O dom do artista é a condição para exercer a sua criatividade. Assim, dom e criatividade entroncam nos ‘campos artísticos’. A criatividade como função do dom encontra-se na prática artística que os próprios artistas nos tendem a oferecer.

Para certos artistas a sociedade tem uma dívida aos génios e a sociedade deve assegurar o seu sustento. Desde o sec 19 que há reivindicação para que o estado assegure uma pensão ao artista. Por outro lado, os artistas reivindicam para si a liberdade em relação aos outros. Um paradoxo. Se a criação é a actividade de produção de originais, ela também deve ser incentivada pelo estado.

Temos por um lado a objectivação da arte: o dom do artista e por outro a sua institucionalização: o nome do artista.

Há uma prevalência do modelo ideológico no espaço público.
A retórica do artista alarga-se aos media: “competência, criatividade, talento” usa-se para o desporto, gestão, etc.

Três sentidos sociológicos da cultura



Culturas populares e o modo como na actualidade a sociologia tende a considerá-las como relação de dominação social.

A tripla significação da cultura:

- Como estilo de vida
- Como prática declarativa
- Como corpos de obras valorizados (património)

Assim, a forma como os indivíduos se comportam, como se diferenciam e o que valorizam é sempre uma produção social. Estas três componentes não são coincidentes e estão alocadas a diversos grupos sociais e não a grupos socialmente dominados.

1
A cultura enquanto estilo de vida remete para os modelos de representação e de práticas sociais que os actores sociais mobilizam e que implicam o recurso à estruturação social e do pensamento. Tem muito a ver com a ideia de consciência prática (produz o mundo e a produzi-lo, reproduz-se a ela própria).
A cultura como estilo de vida representa o simbolismo social e estende-se, não só aos bens (artefactos) da vida quotidiana, mas também às categorias mais abstractas do pensamento (como a harmonia, o gosto, etc.). Se a considerarmos como a ‘trave mestra’ somos obrigados a considerar que não há nenhum povo sem cultura.

Esta evidência (de Clifford Geertz) constitui um logro e deve ser combatida.

A cultura como estilo de vida deve ser articulada com outros estilos de vida e sujeitas a diversas ingerências ideológicas.
As culturas como estilo de vida (se os estilos de vida tal como os entendemos compreendem padrões de significados históricos transmitidos) resultam de jogos de formulação que realizam operações de hierarquização de estilos de vida.
Se partirmos da ideia de que estilos de vida são constelações exprimindo certos padrões de significados sociais, tendemos a perder de vista que sobre esses padrões são exercidas forças que interessam analisar do ponto de vista sociológico.

2
A cultura como pratica declarativa, ou seja, prática de definições e valorização de certos grupos.
As culturas existem sob formas discursivas (escritas e orais) – estamos a falar de discurso e não de formas eruditas de cultura – isto é formas que estão ligadas à vida de todos os dias. Este aspecto de cultura como discursivo invoca sempre um grupo que se distingue dos outros (aquele que se declara) ao reivindicar um certo núcleo de praticas que são diferenciadoras dos outros (os artistas, dos não artistas; os jornalistas dos políticos; os portugueses dos imigrantes). Quando há discurso, podemos dizer que há um aspecto declarativo da cultura.

Não podemos ignorar que na prática definitória está presente uma propriedade valorização da própria cultura e da sua singularidade. Devemos por isso evitar aderir á prática declarativa que os actores sociais no oferecem, porque este método declarativo sobrevaloriza as praticas discursivas do grupo através dos seus membros e / ou porta-vozes que valorizam as definições que os grupos nos oferecem.

O aspecto declarativo da cultura tem uma evolução mais acelerada que as evoluções dos comportamentos e ideias (simbólica). Às vezes numa mesma geração. Por isso é que devemos prestar mais atenção à cultura declarativa porque é mais sensível às retóricas dominantes (Pierre Bourdieu disse que o Maio de 68 tinha sido uma falsa tentativa de revolução que tinha provocado tanto medo como uma revolução e, por isso, produziu-se uma contra revolução que manteve o que já existia).

Mesmo a condição hippie, sendo um modo de vida quotidiano, encontramos ais um modo de continuidade que de ruptura. Continuidade de comportamentos académicos e sociais de filhos de famílias burguesas. O conceito de ruptura social foi oferecido pelo grupo, mas não corresponde a uma verdadeira ruptura.

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A cultura património constrói-se em torno de um tratamento privilegiado a um conjunto de objectos e práticas valorizadas pelos actores sociais – tal como se fez do mesmo modo para o sagrado e profano – atribuindo-lhes uma certa ‘aura’ com significado simbólico para um determinado grupo social.

A ordem lógica, para a cultura património, tende a impor uma certa forma de experiência (estética ou artística) e por isso podemos dizer que as obras de arte e todos os símbolos artísticos culturais dependem igualmente de uma experiência que as actualiza e reitera a intensidade e a transcendência desse corpo, constituído assim na sua transcendência como oposto ao efémero, banal, quotidiano. Todavia, os corpos culturais estão lá para serem ‘consumidos’ e se não o forem a sua ‘aura’ desaparece.

A cultura património resulta de um cânone e tende assumir uma forma de reportório associada ao conhecimento da própria história, numa lógica sequencial. É por isso que os artistas contemporâneos não são tão consensuais. Porque ainda não integraram o cânone. Esse poder de construir simbolismos nodais que definem as obras culturais, que definem os cânones (…).

Trata-se de um estatuto de obra que as sociedades concedem a alguns, com considerações materiais ou simbólicas significativas. Estas culturas património não estão apenas ligadas à arte, mas também aos comportamentos sociais e a outras áreas (como desporto, fado, Amália, Eusébio, etc.).

Cultura - Perspectivas teóricas

1
A partir do século 12/13 a palavra cultura surge nos textos da época mas com sentido agrícola: cuidar da terra e do gado e designar ainda a parcela de terra cultivada. Só no século 16 surge uma nova semantização para a palavra passando a significar uma acção: a acção de cultivar a terra. No século 16 começam a surgir acepções figuradas, associadas a faculdades ou capacidades que podem ser desenvolvidas, trabalhadas ou ‘cultivadas’, mas não consta nos dicionários da época.

Só no século 18 o conceito se começou a impor, articulado numa lógica de complemente de objecto. Fala-se de cultura das artes, cultura das letras, etc. Ainda no século 18 a cultura passa a ver-se livre dos seus complementos e passa a significar o conhecimento; o saber; a instrução. Este processo culmina na oposição à natureza. Assim, temos o estado natural e sem cultura, por oposição ao estado cultivado humano.

Esta antinomia é cara aos Iluministas, para quem ‘a cultura é o factor distintivo da condição humana e representa a soma dos saberes acumulados e transmitidos pela humanidade no decurso da sua história’. Este princípio inscreve-se na ideologia das Luzes. A palavra aparece associada ao progresso que caracterizava um dos valores da época.

Cultura e civilização acabam deste modo associadas, apesar de condensarem significados diversos. Se a ideia de civilização evoca o progresso da humanidade, a cultura evoca o progresso individual.
Este percurso esta associado à ascensão da burguesia. A cultura e a civilização ajudaram a promover a ascensão e mobilidade social que era vedada pela estrutura social de Estados.

No seu significado moderno, a palavra cultura inscreve-se como uma mundivivência burguesa, embora não tenha perdido os significados anteriores.

Ideologia associada à palavra cultura

A cultura está imersa em relações de poder e dominação social (a definição do que é cultura constitui por si só uma relação de poder).
A cultura como categoria de pensamento objectivou-se em diversos dispositivos materiais, e enquanto tal, pode ser considerada uma realidade construída que acabou por se instituir.
Há ministérios da cultura e a cultura tem uma existência real.

A cultura é um instrumento de conhecimento ou um objecto desse conhecimento?

Os sociólogos vão reconstituir as lógicas e os processos sociais da cultura para compreender de que modo foram instauradas certas concepções, enquanto outras passaram para segundo plano, ou desapareceram por completo. Explicando e compreendendo o lugar que a cultura detém nas sociedades.
Outras temáticas cruzadas com a antropologia como o Etnocentrismo onde está sempre subjacente uma recusa e uma rejeição. O Etnocentrismo está muito associado à relação entre culturas, mas também pode ser associado a diferentes grupos sociais e classes.

O sistema cultural funciona como um cimento da vida social.

A arbitrariedade da cultura

À semelhança da língua, a cultura remete para uma série de símbolos ou significados de matriz simbólica.

Dois dos fundadores do pensamento sociológico (Weber e Siemmel) estão ligados a esta autonomização da cultura como forma de construção social (Durkheim desvalorizou a cultura como forma social. Isso está patente na forma como trata arte fazendo-a como forma de desregramento da vida social «a arte é um luxo» uma forma de anomia ou anomalia como a doença).

Max Weber desenvolve uma sociologia da música, conferindo à música, enquanto forma de expressão artística, o duplo estatuto de forma de expressão artística e veio cultural que se inscreve na racionalidade da cultura ocidental. Weber equaciona a diferença entre a vida artística e a vida religiosa e critica a cultura capitalista.
Na opinião de Weber a arte contribui para o desencanto do mundo. Ao contrário da religião, a arte não explica o mundo pela magia.

Apropriação prática.

O mediador é a formação de um ‘ethos’ que se articula com uma conduta racional. O ‘ethos’ é uma criação do calvinismo. Trata-se de uma consequência.

Se Weber se interessou por este tipo de homem resultante de calvinismo, ele também estudou o budismo, catolicismo, etc. verificando que cada uma destas religiões produziu um certo tipo de homem. Weber interessa-se pelo capitalismo porque lhe interessam certas crenças do capitalismo.

A compreensão da cultura é a principal matéria do projecto intelectual de Max Weber.

Siemmel, contemporâneo de Weber e Durkheim, permaneceu muito na sombra para só na década de 70 ser reabilitado.
Siemmel é um percursor do que podemos designar como a ordem das interacções.

Escola Critica de Frankfurt
Weber e Siemmel influenciaram esta escola.

Siemmel coloca a cultura no centro da sua sociologia. Na sua obra mais importante explora a filosofia do dinheiro onde desenvolve as significações culturais do dinheiro. Noutras obras fala da tragédia da cultura.

Na obra “A Filosofia do Dinheiro”, Simmel discute a ambivalência cultural do dinheiro que, segundo o autor, é uma instituição cultural que participa na libertação mas também nivela os valores sociais. A moeda tem assim um estatuto equivalente a todas as mercadorias, favorece a individualização nas sociedades contemporâneas e, contraditoriamente, contribuindo para o declínio do sentimento humano, como a corrupção ou prostituição que testemunham esse declínio.

Quer dizer que se o dinheiro é factor de libertação e emergência do individuo, também ameaça a dignidade humana, o corpo e a cultura, porque o dinheiro enquanto equivalente universal a todas as mercadorias favorece a emergência de certas inclinações como a avidez, avareza prodigalidade e produzindo extrema pobreza ou extrema riqueza.

Siemmel foi o primeiro a equacionar temáticas da sociologia da cultura (embora tenha usado outras palavras) como a problemática do gosto cultural e da distinção, que reflectem temas que mais tarde foram utilizados por Pierre Bourdieu.

Com a ‘Tragédia da Cultura’, Siemmel quis representar as interacções sociais (ele foi o primeiro sociólogo a reflectir sobre elas). E a cultura nas sociedades contemporâneas reveste-se de tragédia ao evidenciar um divórcio de cultura objectiva e cultura subjectiva.

A sociedade contemporânea ao alargar a oferta cultural alarga muito a cultura objectiva – a cultura dos objectos – enquanto que a cultura dos indivíduos – cultura subjectiva – fica espartilhada e quase desaparece. Há o triunfo da cultura dos objectos e isso é trágico para Simmel.

Quanto mais a cultura objectiva se hipertrofia mais difícil se torna para os indivíduos assimila-la no seu conjunto sendo por isso mais difícil tornar-se mediadora dos indivíduos. Quanto mais diversificada é uma cultura, mais inacessível se torna aos indivíduos e mais desestruturante é.

Siemmel tem uma concepção de cultura através da assimilação de conteúdos culturais. Não é apenas a objectivação, mas também a formação do espírito através da assimilação de diversas formas culturais. Cultura é uma ideia que respeita aos indivíduos.

Siemmel não é um interaccionista, uma vez que diz que as formas sociais tendem a pré-existir ao indivíduo.

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A sociologia weberiana e a corrente de Frankfurt com a sociologia de Siemmel, vai influenciar outros autores como Adorno, Horkeimer e Benjamim. São autores por onde passou a inspiração que mais tarde vai compor a sociologia da cultura.

Há uma clivagem entre uma cultura erudita reservada a uma elite e uma cultura de massas como ameaça à cultura erudita. Benjamim questiona-se até que ponto uma obra de arte, quando fotografada tem a sua ‘aura’ afectada, contribuindo para a diminuição do valor cultural dessa obra de arte.

Benjamim abre a possibilidade de, através da reprodução, a obra de arte aceder a públicos mais vastos. Com a reprodução há mais pessoas tocadas pela obra de arte.

Adorno e Horkeimer vão reponder de forma diferente a Benjamim. Adorno viveu nos Estados Unidos e isso vai influenciá-lo. A proximidade a uma cultura de massas emergente, leva-o a concluir que a cultura de massas se tornará opaca e adversa à cultura erudita. Na lógica Hollywoodesca (divertir, entreter e lucrar) não há reflexidade ao esforço intelectual. É este raciocínio que leva Adorno a desenvolver a noção de Industria Cultural por oposição a cultura de massas, para remover toda a possível ambiguidade em relação ao objecto de análise.

Emergiu uma industria com poder suficiente para eliminar toda a distinção entre uma cultura fundada na assimilação pessoal e privilegiando o entretenimento efémero.
Na época das indústrias culturais nenhuma vertente cultural escapa à lógica de mercadoria. Ao contrário de Benjamim, Adorno e Horkeimer preferiam acentuar o colapso da cultura.

Segundo Adorno, a transformação crescente da cultura em mercadoria, não só afecta a cultura como tende a diluir a ideia de cultura, particularmente a cultura clássica. A consequência previsível é o fim da cultura.

Da Grã-bretanha surgiu outra tradição da sociologia da cultura. Uma tradição mais pragmática onde a cultura é pensada como um instrumento de reorganização de uma sociedade afectada, contribuindo para reorganizar as relações sociais.

Os Cultural Studies têm origem numa critica social da sociedade burguesa do sec 19 e contribuíram para o estuda da cultura como problemática social. É numa relação da conduta de um povo e da cultura de certos grupos desse povo que se desenvolve a decifração da cultura de um grupo social específico. Funciona como contribuição à ordem social estabelecida ou de uma manifestação de adesão à ordem dominante.

Os Cultural Studies têm origem na lógica marxista e por isso têm quase sempre em vista as classes sociais e são influenciados pela antropologia na definição de culturas populares. Este legado tem-se revelado importante para a sociologia da cultura, não deixando de contribuir para a definição e o estatuto da cultura enquanto realidade social instituída.

Os Cultural Studies tiveram um papel muito importante na definição oficial de cultura que hoje se utiliza em politica de âmbito cultural dos governos. Deram dois contributos: por um lado, as sociabilidades são muito mais concretas e ricas do que a abordagem vista de cima; por outro lado, há processos de dominação simbólica.

De que forma o género ou grupo social influencia a cultura?
Estilos de vida (juvenil, diferenças politicas) são resistências à ordem social ou celebrações de impotência perante essa ordem?

O legado dos Cultural Studies contribuiu para o estatuto da cultura como realidade social institucionalizada. Ao prestar atenção a diferentes actividades culturais e ao interessarem-se por outras actividades como o turismo e o lazer, contribuíram para alargar o espaço cultural.

Trata-se de uma versão que se institucionalizou impondo uma diversidade da cultura territorializando a própria vida quotidiana. Alguns autores propõem que se fale antes do cultural e não da cultura.

Clifford Geertz propõe uma definição de cultura como “um padrão de significados transmitidos historicamente” ou seja, um sistema de padrões com modelos de / para a realidade. Quando falamos de padrões estamos a falar da estruturação das práticas sociais.

A cultura não pode ser reduzida a um conjunto de símbolos e padrões. É um conceito que abre para processos através dos quais a cultura se institucionaliza. A cultura é encarada como uma realidade social.
A cultura não pode ser definida. Cabe aos protagonistas. Deve-se assumir como uma sociologia interpretativa que propõe dar conta das formas que vão revestir práticas, corpos e contextos da acção.
Há um duplo modo de objectivação da cultura através do olhar sociológico. Não podemos rejeitar um sentido de cultura e devemos sempre encadeá-la com uma realidade social.