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A partir do século 12/13 a palavra cultura surge nos textos da época mas com sentido agrícola: cuidar da terra e do gado e designar ainda a parcela de terra cultivada. Só no século 16 surge uma nova semantização para a palavra passando a significar uma acção: a acção de cultivar a terra. No século 16 começam a surgir acepções figuradas, associadas a faculdades ou capacidades que podem ser desenvolvidas, trabalhadas ou ‘cultivadas’, mas não consta nos dicionários da época.
Só no século 18 o conceito se começou a impor, articulado numa lógica de complemente de objecto. Fala-se de cultura das artes, cultura das letras, etc. Ainda no século 18 a cultura passa a ver-se livre dos seus complementos e passa a significar o conhecimento; o saber; a instrução. Este processo culmina na oposição à natureza. Assim, temos o estado natural e sem cultura, por oposição ao estado cultivado humano.
Esta antinomia é cara aos Iluministas, para quem ‘a cultura é o factor distintivo da condição humana e representa a soma dos saberes acumulados e transmitidos pela humanidade no decurso da sua história’. Este princípio inscreve-se na ideologia das Luzes. A palavra aparece associada ao progresso que caracterizava um dos valores da época.
Cultura e civilização acabam deste modo associadas, apesar de condensarem significados diversos. Se a ideia de civilização evoca o progresso da humanidade, a cultura evoca o progresso individual.
Este percurso esta associado à ascensão da burguesia. A cultura e a civilização ajudaram a promover a ascensão e mobilidade social que era vedada pela estrutura social de Estados.
No seu significado moderno, a palavra cultura inscreve-se como uma mundivivência burguesa, embora não tenha perdido os significados anteriores.
Ideologia associada à palavra cultura
A cultura está imersa em relações de poder e dominação social (a definição do que é cultura constitui por si só uma relação de poder).
A cultura como categoria de pensamento objectivou-se em diversos dispositivos materiais, e enquanto tal, pode ser considerada uma realidade construída que acabou por se instituir.
Há ministérios da cultura e a cultura tem uma existência real.
A cultura é um instrumento de conhecimento ou um objecto desse conhecimento?
Os sociólogos vão reconstituir as lógicas e os processos sociais da cultura para compreender de que modo foram instauradas certas concepções, enquanto outras passaram para segundo plano, ou desapareceram por completo. Explicando e compreendendo o lugar que a cultura detém nas sociedades.
Outras temáticas cruzadas com a antropologia como o Etnocentrismo onde está sempre subjacente uma recusa e uma rejeição. O Etnocentrismo está muito associado à relação entre culturas, mas também pode ser associado a diferentes grupos sociais e classes.
O sistema cultural funciona como um cimento da vida social.
A arbitrariedade da cultura
À semelhança da língua, a cultura remete para uma série de símbolos ou significados de matriz simbólica.
Dois dos fundadores do pensamento sociológico (Weber e Siemmel) estão ligados a esta autonomização da cultura como forma de construção social (Durkheim desvalorizou a cultura como forma social. Isso está patente na forma como trata arte fazendo-a como forma de desregramento da vida social «a arte é um luxo» uma forma de anomia ou anomalia como a doença).
Max Weber desenvolve uma sociologia da música, conferindo à música, enquanto forma de expressão artística, o duplo estatuto de forma de expressão artística e veio cultural que se inscreve na racionalidade da cultura ocidental. Weber equaciona a diferença entre a vida artística e a vida religiosa e critica a cultura capitalista.
Na opinião de Weber a arte contribui para o desencanto do mundo. Ao contrário da religião, a arte não explica o mundo pela magia.
Apropriação prática.
O mediador é a formação de um ‘ethos’ que se articula com uma conduta racional. O ‘ethos’ é uma criação do calvinismo. Trata-se de uma consequência.
Se Weber se interessou por este tipo de homem resultante de calvinismo, ele também estudou o budismo, catolicismo, etc. verificando que cada uma destas religiões produziu um certo tipo de homem. Weber interessa-se pelo capitalismo porque lhe interessam certas crenças do capitalismo.
A compreensão da cultura é a principal matéria do projecto intelectual de Max Weber.
Siemmel, contemporâneo de Weber e Durkheim, permaneceu muito na sombra para só na década de 70 ser reabilitado.
Siemmel é um percursor do que podemos designar como a ordem das interacções.
Escola Critica de Frankfurt
Weber e Siemmel influenciaram esta escola.
Siemmel coloca a cultura no centro da sua sociologia. Na sua obra mais importante explora a filosofia do dinheiro onde desenvolve as significações culturais do dinheiro. Noutras obras fala da tragédia da cultura.
Na obra “A Filosofia do Dinheiro”, Simmel discute a ambivalência cultural do dinheiro que, segundo o autor, é uma instituição cultural que participa na libertação mas também nivela os valores sociais. A moeda tem assim um estatuto equivalente a todas as mercadorias, favorece a individualização nas sociedades contemporâneas e, contraditoriamente, contribuindo para o declínio do sentimento humano, como a corrupção ou prostituição que testemunham esse declínio.
Quer dizer que se o dinheiro é factor de libertação e emergência do individuo, também ameaça a dignidade humana, o corpo e a cultura, porque o dinheiro enquanto equivalente universal a todas as mercadorias favorece a emergência de certas inclinações como a avidez, avareza prodigalidade e produzindo extrema pobreza ou extrema riqueza.
Siemmel foi o primeiro a equacionar temáticas da sociologia da cultura (embora tenha usado outras palavras) como a problemática do gosto cultural e da distinção, que reflectem temas que mais tarde foram utilizados por Pierre Bourdieu.
Com a ‘Tragédia da Cultura’, Siemmel quis representar as interacções sociais (ele foi o primeiro sociólogo a reflectir sobre elas). E a cultura nas sociedades contemporâneas reveste-se de tragédia ao evidenciar um divórcio de cultura objectiva e cultura subjectiva.
A sociedade contemporânea ao alargar a oferta cultural alarga muito a cultura objectiva – a cultura dos objectos – enquanto que a cultura dos indivíduos – cultura subjectiva – fica espartilhada e quase desaparece. Há o triunfo da cultura dos objectos e isso é trágico para Simmel.
Quanto mais a cultura objectiva se hipertrofia mais difícil se torna para os indivíduos assimila-la no seu conjunto sendo por isso mais difícil tornar-se mediadora dos indivíduos. Quanto mais diversificada é uma cultura, mais inacessível se torna aos indivíduos e mais desestruturante é.
Siemmel tem uma concepção de cultura através da assimilação de conteúdos culturais. Não é apenas a objectivação, mas também a formação do espírito através da assimilação de diversas formas culturais. Cultura é uma ideia que respeita aos indivíduos.
Siemmel não é um interaccionista, uma vez que diz que as formas sociais tendem a pré-existir ao indivíduo.
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A sociologia weberiana e a corrente de Frankfurt com a sociologia de Siemmel, vai influenciar outros autores como Adorno, Horkeimer e Benjamim. São autores por onde passou a inspiração que mais tarde vai compor a sociologia da cultura.
Há uma clivagem entre uma cultura erudita reservada a uma elite e uma cultura de massas como ameaça à cultura erudita. Benjamim questiona-se até que ponto uma obra de arte, quando fotografada tem a sua ‘aura’ afectada, contribuindo para a diminuição do valor cultural dessa obra de arte.
Benjamim abre a possibilidade de, através da reprodução, a obra de arte aceder a públicos mais vastos. Com a reprodução há mais pessoas tocadas pela obra de arte.
Adorno e Horkeimer vão reponder de forma diferente a Benjamim. Adorno viveu nos Estados Unidos e isso vai influenciá-lo. A proximidade a uma cultura de massas emergente, leva-o a concluir que a cultura de massas se tornará opaca e adversa à cultura erudita. Na lógica Hollywoodesca (divertir, entreter e lucrar) não há reflexidade ao esforço intelectual. É este raciocínio que leva Adorno a desenvolver a noção de Industria Cultural por oposição a cultura de massas, para remover toda a possível ambiguidade em relação ao objecto de análise.
Emergiu uma industria com poder suficiente para eliminar toda a distinção entre uma cultura fundada na assimilação pessoal e privilegiando o entretenimento efémero.
Na época das indústrias culturais nenhuma vertente cultural escapa à lógica de mercadoria. Ao contrário de Benjamim, Adorno e Horkeimer preferiam acentuar o colapso da cultura.
Segundo Adorno, a transformação crescente da cultura em mercadoria, não só afecta a cultura como tende a diluir a ideia de cultura, particularmente a cultura clássica. A consequência previsível é o fim da cultura.
Da Grã-bretanha surgiu outra tradição da sociologia da cultura. Uma tradição mais pragmática onde a cultura é pensada como um instrumento de reorganização de uma sociedade afectada, contribuindo para reorganizar as relações sociais.
Os Cultural Studies têm origem numa critica social da sociedade burguesa do sec 19 e contribuíram para o estuda da cultura como problemática social. É numa relação da conduta de um povo e da cultura de certos grupos desse povo que se desenvolve a decifração da cultura de um grupo social específico. Funciona como contribuição à ordem social estabelecida ou de uma manifestação de adesão à ordem dominante.
Os Cultural Studies têm origem na lógica marxista e por isso têm quase sempre em vista as classes sociais e são influenciados pela antropologia na definição de culturas populares. Este legado tem-se revelado importante para a sociologia da cultura, não deixando de contribuir para a definição e o estatuto da cultura enquanto realidade social instituída.
Os Cultural Studies tiveram um papel muito importante na definição oficial de cultura que hoje se utiliza em politica de âmbito cultural dos governos. Deram dois contributos: por um lado, as sociabilidades são muito mais concretas e ricas do que a abordagem vista de cima; por outro lado, há processos de dominação simbólica.
De que forma o género ou grupo social influencia a cultura?
Estilos de vida (juvenil, diferenças politicas) são resistências à ordem social ou celebrações de impotência perante essa ordem?
O legado dos Cultural Studies contribuiu para o estatuto da cultura como realidade social institucionalizada. Ao prestar atenção a diferentes actividades culturais e ao interessarem-se por outras actividades como o turismo e o lazer, contribuíram para alargar o espaço cultural.
Trata-se de uma versão que se institucionalizou impondo uma diversidade da cultura territorializando a própria vida quotidiana. Alguns autores propõem que se fale antes do cultural e não da cultura.
Clifford Geertz propõe uma definição de cultura como “um padrão de significados transmitidos historicamente” ou seja, um sistema de padrões com modelos de / para a realidade. Quando falamos de padrões estamos a falar da estruturação das práticas sociais.
A cultura não pode ser reduzida a um conjunto de símbolos e padrões. É um conceito que abre para processos através dos quais a cultura se institucionaliza. A cultura é encarada como uma realidade social.
A cultura não pode ser definida. Cabe aos protagonistas. Deve-se assumir como uma sociologia interpretativa que propõe dar conta das formas que vão revestir práticas, corpos e contextos da acção.
Há um duplo modo de objectivação da cultura através do olhar sociológico. Não podemos rejeitar um sentido de cultura e devemos sempre encadeá-la com uma realidade social.