13.6.07

O bom gosto cultural


Também deve ser colocada a questão sobre a ordem cultural legítima. O sistema do gosto expressa uma ordem cultural legitima que apesar de ter variações em vários sectores mantém-se sempre a mesma.

Nos dias de hoje será difícil encontrar uma cultura legitima porque aquilo que em certo momento do tempo tende a ser considerado obra de arte tem concorrência que a ameaça constantemente. As próprias hierarquias dos campos culturais flutuam com o valor cultural. Deste modo pensar que há uma única cultura legítima, não corresponde à realidade.

O consumo cultural, segundo Pierre Bourdieu resulta de um processo de distinção social. “O sentido da leitura resulta do sentido da distinção. As pessoas lêem e tendem a dizer que lêem mais do lêem para se distinguirem das outras que não o fazem”. Se a difusão do livro fosse tal, ele não seria um elemento de distinção nos processos de distinção social. Por isso as elites classificam como ‘lixo’ todos os bens culturais que estando tão banalizados não servem para distinção cultural.

Apesar disso, as práticas culturais não se esgotam nas culturas das elites, quaisquer bens ou produtos culturais ou simbólicos, ao serem consumidos têm múltiplos entendimentos. A recepção cultural é sempre criativa emprestando diferentes significados à recepção cultural e gerando um gosto que, todavia, não corresponde ao gosto dos grupos que produzem os bens culturais. Nesse sentido, a democratização da cultura faz com que ela deixe de ser elitista, esvaziando as elites do poder de descodificação e definição das fronteiras culturais.

Consumo e práticas culturais



Acerca do livro de Pierre Bourdieu sobre o Gosto Cultural

A transgressão proposta por Pierre Bourdieu é abolir uma fronteira entre cultura legítima para descobrir a teia de relações inteligíveis que unem as escolhas em matérias que aparentemente não têm nada a ver umas com as outras, tal como as preferências em matéria de música e culinária ou pintura e desporto.

Em “La distintion, la critique social du jugement”, o que materializa a grande preocupação do autor é saber como os sistemas culturais de bens aprendidos e os modos de consumir esses bens variam segundo as diferentes categorias dos agentes e também segundo os domínios culturais específicos a que se aplicam.

Bourdieu encontra um elo entre as praticas culturais, o capital escolar e a origem social. O capital escolar é uma das categorias de Pierre Bourdieu no capital cultural.

Os três estados do capital cultural

O capital cultural pode existir por três formas:

1 – No estado incorporado
2 – No estado objectivado (quadros, livros, máquinas, instrumentos, etc.)
3 – No estado institucionalizado (títulos académicos)

A alquimia cultural institui o capital pela magia colectiva. Isto é: assume propriedades institucionais comparando os títulos e estabelecendo taxas de conversão económica.

As três modalidades da existência do capital cultural.

Apesar do ênfase no estado institucional, Pierre Bourdieu sublinha que não podemos esquecer o estado incorporado e, por isso Bourdieu aponta aos processos como o capital social se incorpora, sublinhando que a aquisição do capital escolar não se cinge ao tempo de aquisição. Temos de associar a educação familiar e o capital na família de origem.

A distribuição de capital cultural pelas famílias é uma teia complexa que radica no capital cultural acumulado na família de origem e que reproduz a estrutura do capital cultural quando este é tomado como capital de referência. Mas os percursos pessoais académicos também podem produzir mais ou menos qualificações. Deste modo, a incorporação de capital cultural é um conjunto de predisposições para um sentido.

Há uma relação dialéctica entre o capital cultural incorporado e o capital cultural objectivado. Se é verdade que no estado objectivado o capital cultural não pode ser apropriado por inteiro, por um conjunto de agentes, ele uma vez incorporado e apropriado de forma de forma material e simbólica, transforma-se em ‘armas’ que dão benefícios aos agentes.

Assim, o capital cultural sem a forma incorporada não faz sentido, pelo que o essencial não é tanto a apropriação de capital cultural, mas antes um jogo de apropriação de capital simbólico. O capital cultural incorporado é um poder. Um poder de descodificação e decifração de bens. A decifração do capital cultural estabelece uma correlação entre o capital escolar e as classes sociais.

As notas escolares não são apenas avaliações do saber, são também medidas da nossa distância na apropriação de saber. Por um lado, o capital cultural institucionalizado, por outro o capital incorporado.

Nas categorias de cultura há duas categorias fundamentais: Professores e Alunos. São eles, juntamente com os Mediadores Culturais que decifram e estabelecem as taxas de conversão do capital cultural.

Criticas a Pierre Bourdieu

O capital cultural começa em zero e não tem limite. Como outro capital corre-se o risco de pensar em acumulação e exclusão. O princípio fundamental é o de posse e não posse de capital cultural. Ora significa que as pessoas sem capital cultural seriam sempre dominadas, porque não têm esse capital.

Uniformização à escala global



Somos levados a pensar que a padronização cultural conduz a produtos uniformizados. Não é bem assim. As indústrias culturais, porque não podem ignorar novos meios de difusão como a Internet, tendem a desenvolver uma oferta cultural multiforme, suscitando culturas variadas.

A verdade é que as indústrias culturais se organizam em lógicas de concorrência, disputando públicos. Ora, essa concorrência suscita lógicas de inovação cultural. Mesmo a produção mediática não impede a reciclagem cultural através da atribuição de novos significados e desenvolvendo reportórios simbólicos alternativos, dentro de certos limites (esta relação não tem que ser politizada).
Houve uma expansão dentro das indústrias culturais, associada a uma lógica de concorrência. A inovação cultural leva os actores a desenvolverem estratégias de inovação que associada à concorrência produz objectos artísticos diversificados, a par de um poder padronizador. As indústrias culturais também não pertencem a um sistema único, antes diferenciam-se de acordo com cada uma das indústrias culturais.

Todas estas influências têm um efeito à medida da dependência económica. Os que dependem ais da difusão do que da produção são mais sensíveis a esta lógica. No caso do cinema, observa-se uma progressiva integração resultante dos custos de promoção dos filmes (muito maiores que a produção). Temos de observar as diferentes indústrias culturais para perceber as diferenças entre elas. Umas privilegiam mais a produção e são mais sensíveis ao capital, outras a distribuição e mais dependentes do público.

No caso da TV é diferente. Não vende produtos, mas sim publicidade (no caso da TV comercial) assim a sua oferta converge para combinar audiência de potenciais consumidores e os produtos que vão atrair os consumidores desejados. Mas na TV as audiências minoritárias podem constituir audiência a que se deve dar atenção. Isto é mais evidente nos canais temáticos.

Na música ainda é mais curioso, porque é muito sensível ao efeito geracional e acompanha os gostos dos adolescentes imprimindo à indústria cultural uma constante renovação da cultura. Favorece a inovação porque ao contrário da indústria cinematográfica os custos são mais reduzidos.

Deste modo, falar de indústrias culturais não é falar de uniformização. Há lógicas de concorrência e as diferentes indústrias têm particularidades diversas. Já a afirmação de culturas específicas ou culturas regionais resultam de uma relação de poder: poder dos media para modificar gostos ou poder de tornar a produção regional residual e periférica.

12.6.07

Mediadores e Militantes culturais

Mediadores e Militantes culturais

Mediadores culturais

Qualquer mediação gera uma ideologia.

Os professores são os principais mediadores culturais. Eles representam os fundamentos da ideologia escolar quando um deles não está de acordo com a ideologia é considerado um mau professor pelos seus pares.

Quer devido à linguagem, quer devido aos esquemas catalizadores, distinguimos duas categorias de cultura tecnocrática. O espírito do mediador formatado numa lógica tecnocrática tende a pecar pelo etnocentrismo.

Militantes culturais

São uma espécie de outro género. Ao contrário do intermediário cultural, os militantes chegam à acção na maior parte dos casos, através de um percurso escolar. Os militantes provêm de áreas de formação específica e representam as atitudes e o ‘ethos’ das populações onde vivem. É portanto na popularidade da cultura que fundamentam o seu apoio.

Enquanto que os intermediários representam os tecnocratas, os militantes identificam-se com o grupo. Eles acreditam que representam a população onde pretendem actuar. a ilusão do militantismo cultural e a do militantismo politico é emprestar os valores, interesses e motivações que eles próprios transportam com o seu voluntarismo, enquanto que os mediadores negligenciam as áreas e as populações onde actuam.

A democratização da cultura depende democratização cultural.

Por um lado estes profissionais (e também amadores) vão gerar novas clientelas da cultura, constituindo eles próprios parte dessa clientela.

Por mais banal que seja, um objecto pode adquirir um valor cultural. Mas, ao mesmo tempo a cultura enfatiza uma separação entre a arte e a vida quotidiana. Deste modo é importante diferenciar entre “estética do quotidiano” e “estetização do quotidiano” pela qual as vanguardas artísticas se bateram do sec 20.

Nessa altura proclamava-se o fim da oposição entre arte e vida quotidiana, defendendo-se o valor artístico da arte industrial. O objecto passava a ter valor artístico quando o artista diz que assim é. Alguns artistas defendiam novos critérios culturais e diziam que a morte da cultura académica estava anunciada. Agiam e actuavam contra o cânone universitário. É uma estetização alicerçada numa componente de consumo em função da democratização e como um princípio boémio do controlar das emoções. A propagação deste ‘ethos’ foi veiculada por intermediários sociais ligados às indústrias culturais e mediáticas.

Os novos mediadores culturais estão associados aos media e, por isso podem acrescentar valor à sua mensagem. Estes intermediários culturais têm sido ajudados pela forte ligação entre cultura e tempos livres. Esta combinatória tem a sua consequência: a cultura é do domínio do ócio e não do negócio. A cultura como diversão e da forma de apresentação do eu, que entronca nos valores culturais da moda, publicidade, prazer.

A estetização do quotidiano tornou mais difícil saber o que é e o que não é cultura, tornando as velhas fronteiras obsoletas. Conhecer a cultura é saber como é que certas concepções vingaram e detrimento de outras. Este processo não é uni-direccional e, ao ser transmitido é modificado. Um processo descrito por Goffman no estudo sobre as imagens publicitárias.

A publicidade utiliza o ritual do quotidiano exagerando as convenções pelas quais os nossos rituais quotidianos se regem. Os consumidores reagem às imagens e manipulam-nas, produzindo novos significados, e por isso produzindo novas imagens. Mas produtores e realizadores não estão no mesmo nível e estão ambos submetidos à lógica da realidade económica.

Politicas Culturais

A sociologia em França tem sido chamada a participar nas politicas culturais. A ideia de politica cultural coincide com a criação do ministério dos assuntos culturais em 1959 (André Malraux) quando se instalam uma série de princípios, reportórios e departamentos que institucionalizam a política cultural e que ainda hoje se mantêm bem vivos.

A concepção de politicas culturais do estado, desenvolvida por André Malraux, quer através da prática (pelo delineamento burocrático), quer ideologia (em resultado das opções seguidas) encontrou três oposições:

- Educação Nacional
- Belas Artes (cânone das belas artes francesas)
- Educação Popular

Malraux faz convergir duas tendências: por um lado a critica ao ensino artístico e por outro, a reivindicação de que o povo teria direito à cultura, contra a cultura de elites.
Simultaneamente é dado impulso aos novos artistas da modernidade estética e da vanguarda artística. Malraux aproxima ainda o ministério de certos temas das elites modernizadoras da sociedade francesa, deste modo protagonizando a modernização da sociedade. Com esta associação o ministro atribui ao estado o papel de locomotiva da sociedade francesa.

A politica cultural definiu-se como uma ideia de reformadores contra o cânone e contra as instituições existentes e que prolongavam a influencia das elites. Malraux protagonizou assim o combate contra a rigidez e o imobilismo da sociedade francesa dos anos 50.

As oposições conceptuais de Malraux

Cultura versus Educação
Modernidade versus Tradição
Cultura versus Diversão

As políticas culturais do estado que visavam combater o conformismo artístico, tinham gerado um novo conformismo ao substituir os tradicionalistas pelos modernistas. As políticas culturais acabaram por se resumir ao financiamento dos serviços.

André Malraux retoma a noção de alienação dos marxistas à cultura de massas. Mas com o passar dos anos, a critica ao entretenimento passou para critica ao entretenimento americano, traduzido numa alienação e rendição à cultura americana.

Aqui vemos a origem das retóricas identitárias e do conceito de que o estado deve contribuir para manter a identidade cultural francesa. Para isso, o estado financiou a instalação de instituições francesas no estrangeiro para manter a presença da língua e cultura francesa. Falharam.

Em Portugal só nos anos 80 é que se formam politicas culturais, seguindo o modelo francês. Até 1944 o equivalente às politicas da cultura eram da competência do Secretariado da Propaganda Nacional, depois essas competências passam para o SNI, mas continuam a sustentar-se na propaganda da cultura oficial do regime, enquanto que as artes estão na dependência do ministério da educação.

Em 1974 a cultura autonomiza-se. Criam-se campanhas de alfabetização e de divulgação cultural. Todavia, estas campanhas são alvo de criticas porque não respeitam as culturas regionais. É uma relação de centro para a periferia.

No governo de Maria de Lurdes Pintasilgo aparece uma definição de cultura que ocupa lugar no programa do governo. Nessa altura cria-se o primeiro ministério dos assuntos culturais e da ciência. As políticas culturais de então visam democratizar o acesso aos bens culturais, a preservação do património, preservação da identidade nacional e de identidades culturais. A política cultural nacional, a partir dos anos 80 passa a apoiar a divulgação da língua portuguesa.

Quando Manuel Maria Carrilho chega a ministro da cultura a tendência europeia é já de desestatização, porém esse não é o caminho seguido pelo governo português.

Para a sociologia as politica culturais são um aspecto de objectivação sociológica.

Os níveis de cultura



- Cultura cultivada
- Cultura popular
- Cultura de massas

Apesar das clivagens entre cultura clássica ou cultivada e a cultura do povo ou popular, estas culturas unem-se para avaliar negativamente a cultura de massas. Ambas se caracterizam pela perenidade e autenticidade. Uma e outra são contraponto à cultura de massas que não será nem perene nem autentica.

Valerá a pena dividir a cultura destas três maneiras?
A reposta é não.

Vale a pena, porém, analisar as pequenas e grandes tradições nas sociedades capitalistas. A pequena e a grande tradição, ou a cultura popular e a erudita tinham trocas frequentes no início da sociedade capitalista.

Se a pequena tradição era aberta a todos, e transmitida nas praças, teatros, etc., a grande tradição era transmitida em lugares reservados e em latim. Todavia, as trocas eram frequentes e havia figuras que mediavam a pequenas e a grande cultura. Artesãos, músicos, baixo clero, amas e actores eram alguns dos elementos que mesclavam elementos eruditos e populares em lugares públicos. Mas estas trocas não eram pacíficas, como mostra a medicina, espaço ocupado por médicos e cirurgiões que concorriam com bruxas e charlatães.

Estas culturas não são homogéneas. Tal como o espaço social simbólico também não é homogéneo.

Interessa também pensar em centros e periferias de consumo cultural.

A simplificação que se objectiva na cultura popular é uma ficção bem fundamentada com raízes históricas profundas que não podem ser pensadas independentemente das diferentes espécies de capital observado.

Com a centralização do poder politico no soberano a violência física legítima e a violência simbólica, levou a uma progressiva “domesticação dos corpos e das almas”, um processo que implicou uma fortíssima repressão das culturas populares e implicou o acantonamento das culturas populares.

Ao mesmo tempo surge a sociedade cortesã que contribuiu para cavar o fosso entre a grande e a pequena tradição. Surgem clivagens nos modos de falar a língua nativa (o cortesão não usa vernáculo) e institucionaliza-se como tradição e hierarquia. A sociedade da corte instaurou estes dois universos.

O romantismo no sec. 18 não mina estas divisões entre cultura popular e cultura de corte. De certo modo a cultura popular, tal como é entendida hoje, resulta de uma produção dos românticos, ao ficcionar a pureza de um povo com uma cultura ancestral.
Esta formulação produzida pelo romantismo contribuiu para reforçar a oposição das duas culturas mas acentuando a homogeneidade dentro de cada uma delas.

Foi a industrialização e a entrada do capital económico na produção em série que levou ao alargamento da cultura erudita e às modificações na divisão da pequena e grande tradição. Essa alteração começa com a literatura de cordel, pelas estampas e cópias de quadros e pelos primeiros espectáculos comerciais.

O processo de massificação da cultura conduz ao ‘drama do artista’. Quando se pensou que o publico libertava o artista das ‘grilhetas’ do patrono, verificou-se rapidamente que aquele continuava condicionado aos desejos de uma massa popular. Na prática, substituiu-se um mecenas por outro, sem vantagem para o artista.

Os críticos e os artistas

Os críticos artísticos surgem no sec 18 e permanecem como delimitadores das fronteiras entre um universo e outro. Hoje estão perfeitamente institucionalizados.

No sec 19, a produção que é orientada para um público alargado é a chamada arte burguesa, enquanto que aquela que é destinada a um público restrito toma a forma de ‘arte pela arte’. Esta oposição construída deste modo é um produto do sec 19 que foi explorado como filão da história da arte no sec 20.

A ‘arte pela arte’ leva ao culto da raridade da obra e do estatuto do criador singular. Mas para esta legitimação foi essencial o papel do crítico de arte, constituído como guardião e sacerdote do culto que se condensa no papel de poder anunciar ou denunciar o artista.
Desse ponto de vista são um produto de lógica mercantil (o artista e o critico) ao preservar uma arte ou uma obra da contaminação económica.

O dom do artista é a condição para exercer a sua criatividade. Assim, dom e criatividade entroncam nos ‘campos artísticos’. A criatividade como função do dom encontra-se na prática artística que os próprios artistas nos tendem a oferecer.

Para certos artistas a sociedade tem uma dívida aos génios e a sociedade deve assegurar o seu sustento. Desde o sec 19 que há reivindicação para que o estado assegure uma pensão ao artista. Por outro lado, os artistas reivindicam para si a liberdade em relação aos outros. Um paradoxo. Se a criação é a actividade de produção de originais, ela também deve ser incentivada pelo estado.

Temos por um lado a objectivação da arte: o dom do artista e por outro a sua institucionalização: o nome do artista.

Há uma prevalência do modelo ideológico no espaço público.
A retórica do artista alarga-se aos media: “competência, criatividade, talento” usa-se para o desporto, gestão, etc.

Três sentidos sociológicos da cultura



Culturas populares e o modo como na actualidade a sociologia tende a considerá-las como relação de dominação social.

A tripla significação da cultura:

- Como estilo de vida
- Como prática declarativa
- Como corpos de obras valorizados (património)

Assim, a forma como os indivíduos se comportam, como se diferenciam e o que valorizam é sempre uma produção social. Estas três componentes não são coincidentes e estão alocadas a diversos grupos sociais e não a grupos socialmente dominados.

1
A cultura enquanto estilo de vida remete para os modelos de representação e de práticas sociais que os actores sociais mobilizam e que implicam o recurso à estruturação social e do pensamento. Tem muito a ver com a ideia de consciência prática (produz o mundo e a produzi-lo, reproduz-se a ela própria).
A cultura como estilo de vida representa o simbolismo social e estende-se, não só aos bens (artefactos) da vida quotidiana, mas também às categorias mais abstractas do pensamento (como a harmonia, o gosto, etc.). Se a considerarmos como a ‘trave mestra’ somos obrigados a considerar que não há nenhum povo sem cultura.

Esta evidência (de Clifford Geertz) constitui um logro e deve ser combatida.

A cultura como estilo de vida deve ser articulada com outros estilos de vida e sujeitas a diversas ingerências ideológicas.
As culturas como estilo de vida (se os estilos de vida tal como os entendemos compreendem padrões de significados históricos transmitidos) resultam de jogos de formulação que realizam operações de hierarquização de estilos de vida.
Se partirmos da ideia de que estilos de vida são constelações exprimindo certos padrões de significados sociais, tendemos a perder de vista que sobre esses padrões são exercidas forças que interessam analisar do ponto de vista sociológico.

2
A cultura como pratica declarativa, ou seja, prática de definições e valorização de certos grupos.
As culturas existem sob formas discursivas (escritas e orais) – estamos a falar de discurso e não de formas eruditas de cultura – isto é formas que estão ligadas à vida de todos os dias. Este aspecto de cultura como discursivo invoca sempre um grupo que se distingue dos outros (aquele que se declara) ao reivindicar um certo núcleo de praticas que são diferenciadoras dos outros (os artistas, dos não artistas; os jornalistas dos políticos; os portugueses dos imigrantes). Quando há discurso, podemos dizer que há um aspecto declarativo da cultura.

Não podemos ignorar que na prática definitória está presente uma propriedade valorização da própria cultura e da sua singularidade. Devemos por isso evitar aderir á prática declarativa que os actores sociais no oferecem, porque este método declarativo sobrevaloriza as praticas discursivas do grupo através dos seus membros e / ou porta-vozes que valorizam as definições que os grupos nos oferecem.

O aspecto declarativo da cultura tem uma evolução mais acelerada que as evoluções dos comportamentos e ideias (simbólica). Às vezes numa mesma geração. Por isso é que devemos prestar mais atenção à cultura declarativa porque é mais sensível às retóricas dominantes (Pierre Bourdieu disse que o Maio de 68 tinha sido uma falsa tentativa de revolução que tinha provocado tanto medo como uma revolução e, por isso, produziu-se uma contra revolução que manteve o que já existia).

Mesmo a condição hippie, sendo um modo de vida quotidiano, encontramos ais um modo de continuidade que de ruptura. Continuidade de comportamentos académicos e sociais de filhos de famílias burguesas. O conceito de ruptura social foi oferecido pelo grupo, mas não corresponde a uma verdadeira ruptura.

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A cultura património constrói-se em torno de um tratamento privilegiado a um conjunto de objectos e práticas valorizadas pelos actores sociais – tal como se fez do mesmo modo para o sagrado e profano – atribuindo-lhes uma certa ‘aura’ com significado simbólico para um determinado grupo social.

A ordem lógica, para a cultura património, tende a impor uma certa forma de experiência (estética ou artística) e por isso podemos dizer que as obras de arte e todos os símbolos artísticos culturais dependem igualmente de uma experiência que as actualiza e reitera a intensidade e a transcendência desse corpo, constituído assim na sua transcendência como oposto ao efémero, banal, quotidiano. Todavia, os corpos culturais estão lá para serem ‘consumidos’ e se não o forem a sua ‘aura’ desaparece.

A cultura património resulta de um cânone e tende assumir uma forma de reportório associada ao conhecimento da própria história, numa lógica sequencial. É por isso que os artistas contemporâneos não são tão consensuais. Porque ainda não integraram o cânone. Esse poder de construir simbolismos nodais que definem as obras culturais, que definem os cânones (…).

Trata-se de um estatuto de obra que as sociedades concedem a alguns, com considerações materiais ou simbólicas significativas. Estas culturas património não estão apenas ligadas à arte, mas também aos comportamentos sociais e a outras áreas (como desporto, fado, Amália, Eusébio, etc.).

Cultura - Perspectivas teóricas

1
A partir do século 12/13 a palavra cultura surge nos textos da época mas com sentido agrícola: cuidar da terra e do gado e designar ainda a parcela de terra cultivada. Só no século 16 surge uma nova semantização para a palavra passando a significar uma acção: a acção de cultivar a terra. No século 16 começam a surgir acepções figuradas, associadas a faculdades ou capacidades que podem ser desenvolvidas, trabalhadas ou ‘cultivadas’, mas não consta nos dicionários da época.

Só no século 18 o conceito se começou a impor, articulado numa lógica de complemente de objecto. Fala-se de cultura das artes, cultura das letras, etc. Ainda no século 18 a cultura passa a ver-se livre dos seus complementos e passa a significar o conhecimento; o saber; a instrução. Este processo culmina na oposição à natureza. Assim, temos o estado natural e sem cultura, por oposição ao estado cultivado humano.

Esta antinomia é cara aos Iluministas, para quem ‘a cultura é o factor distintivo da condição humana e representa a soma dos saberes acumulados e transmitidos pela humanidade no decurso da sua história’. Este princípio inscreve-se na ideologia das Luzes. A palavra aparece associada ao progresso que caracterizava um dos valores da época.

Cultura e civilização acabam deste modo associadas, apesar de condensarem significados diversos. Se a ideia de civilização evoca o progresso da humanidade, a cultura evoca o progresso individual.
Este percurso esta associado à ascensão da burguesia. A cultura e a civilização ajudaram a promover a ascensão e mobilidade social que era vedada pela estrutura social de Estados.

No seu significado moderno, a palavra cultura inscreve-se como uma mundivivência burguesa, embora não tenha perdido os significados anteriores.

Ideologia associada à palavra cultura

A cultura está imersa em relações de poder e dominação social (a definição do que é cultura constitui por si só uma relação de poder).
A cultura como categoria de pensamento objectivou-se em diversos dispositivos materiais, e enquanto tal, pode ser considerada uma realidade construída que acabou por se instituir.
Há ministérios da cultura e a cultura tem uma existência real.

A cultura é um instrumento de conhecimento ou um objecto desse conhecimento?

Os sociólogos vão reconstituir as lógicas e os processos sociais da cultura para compreender de que modo foram instauradas certas concepções, enquanto outras passaram para segundo plano, ou desapareceram por completo. Explicando e compreendendo o lugar que a cultura detém nas sociedades.
Outras temáticas cruzadas com a antropologia como o Etnocentrismo onde está sempre subjacente uma recusa e uma rejeição. O Etnocentrismo está muito associado à relação entre culturas, mas também pode ser associado a diferentes grupos sociais e classes.

O sistema cultural funciona como um cimento da vida social.

A arbitrariedade da cultura

À semelhança da língua, a cultura remete para uma série de símbolos ou significados de matriz simbólica.

Dois dos fundadores do pensamento sociológico (Weber e Siemmel) estão ligados a esta autonomização da cultura como forma de construção social (Durkheim desvalorizou a cultura como forma social. Isso está patente na forma como trata arte fazendo-a como forma de desregramento da vida social «a arte é um luxo» uma forma de anomia ou anomalia como a doença).

Max Weber desenvolve uma sociologia da música, conferindo à música, enquanto forma de expressão artística, o duplo estatuto de forma de expressão artística e veio cultural que se inscreve na racionalidade da cultura ocidental. Weber equaciona a diferença entre a vida artística e a vida religiosa e critica a cultura capitalista.
Na opinião de Weber a arte contribui para o desencanto do mundo. Ao contrário da religião, a arte não explica o mundo pela magia.

Apropriação prática.

O mediador é a formação de um ‘ethos’ que se articula com uma conduta racional. O ‘ethos’ é uma criação do calvinismo. Trata-se de uma consequência.

Se Weber se interessou por este tipo de homem resultante de calvinismo, ele também estudou o budismo, catolicismo, etc. verificando que cada uma destas religiões produziu um certo tipo de homem. Weber interessa-se pelo capitalismo porque lhe interessam certas crenças do capitalismo.

A compreensão da cultura é a principal matéria do projecto intelectual de Max Weber.

Siemmel, contemporâneo de Weber e Durkheim, permaneceu muito na sombra para só na década de 70 ser reabilitado.
Siemmel é um percursor do que podemos designar como a ordem das interacções.

Escola Critica de Frankfurt
Weber e Siemmel influenciaram esta escola.

Siemmel coloca a cultura no centro da sua sociologia. Na sua obra mais importante explora a filosofia do dinheiro onde desenvolve as significações culturais do dinheiro. Noutras obras fala da tragédia da cultura.

Na obra “A Filosofia do Dinheiro”, Simmel discute a ambivalência cultural do dinheiro que, segundo o autor, é uma instituição cultural que participa na libertação mas também nivela os valores sociais. A moeda tem assim um estatuto equivalente a todas as mercadorias, favorece a individualização nas sociedades contemporâneas e, contraditoriamente, contribuindo para o declínio do sentimento humano, como a corrupção ou prostituição que testemunham esse declínio.

Quer dizer que se o dinheiro é factor de libertação e emergência do individuo, também ameaça a dignidade humana, o corpo e a cultura, porque o dinheiro enquanto equivalente universal a todas as mercadorias favorece a emergência de certas inclinações como a avidez, avareza prodigalidade e produzindo extrema pobreza ou extrema riqueza.

Siemmel foi o primeiro a equacionar temáticas da sociologia da cultura (embora tenha usado outras palavras) como a problemática do gosto cultural e da distinção, que reflectem temas que mais tarde foram utilizados por Pierre Bourdieu.

Com a ‘Tragédia da Cultura’, Siemmel quis representar as interacções sociais (ele foi o primeiro sociólogo a reflectir sobre elas). E a cultura nas sociedades contemporâneas reveste-se de tragédia ao evidenciar um divórcio de cultura objectiva e cultura subjectiva.

A sociedade contemporânea ao alargar a oferta cultural alarga muito a cultura objectiva – a cultura dos objectos – enquanto que a cultura dos indivíduos – cultura subjectiva – fica espartilhada e quase desaparece. Há o triunfo da cultura dos objectos e isso é trágico para Simmel.

Quanto mais a cultura objectiva se hipertrofia mais difícil se torna para os indivíduos assimila-la no seu conjunto sendo por isso mais difícil tornar-se mediadora dos indivíduos. Quanto mais diversificada é uma cultura, mais inacessível se torna aos indivíduos e mais desestruturante é.

Siemmel tem uma concepção de cultura através da assimilação de conteúdos culturais. Não é apenas a objectivação, mas também a formação do espírito através da assimilação de diversas formas culturais. Cultura é uma ideia que respeita aos indivíduos.

Siemmel não é um interaccionista, uma vez que diz que as formas sociais tendem a pré-existir ao indivíduo.

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A sociologia weberiana e a corrente de Frankfurt com a sociologia de Siemmel, vai influenciar outros autores como Adorno, Horkeimer e Benjamim. São autores por onde passou a inspiração que mais tarde vai compor a sociologia da cultura.

Há uma clivagem entre uma cultura erudita reservada a uma elite e uma cultura de massas como ameaça à cultura erudita. Benjamim questiona-se até que ponto uma obra de arte, quando fotografada tem a sua ‘aura’ afectada, contribuindo para a diminuição do valor cultural dessa obra de arte.

Benjamim abre a possibilidade de, através da reprodução, a obra de arte aceder a públicos mais vastos. Com a reprodução há mais pessoas tocadas pela obra de arte.

Adorno e Horkeimer vão reponder de forma diferente a Benjamim. Adorno viveu nos Estados Unidos e isso vai influenciá-lo. A proximidade a uma cultura de massas emergente, leva-o a concluir que a cultura de massas se tornará opaca e adversa à cultura erudita. Na lógica Hollywoodesca (divertir, entreter e lucrar) não há reflexidade ao esforço intelectual. É este raciocínio que leva Adorno a desenvolver a noção de Industria Cultural por oposição a cultura de massas, para remover toda a possível ambiguidade em relação ao objecto de análise.

Emergiu uma industria com poder suficiente para eliminar toda a distinção entre uma cultura fundada na assimilação pessoal e privilegiando o entretenimento efémero.
Na época das indústrias culturais nenhuma vertente cultural escapa à lógica de mercadoria. Ao contrário de Benjamim, Adorno e Horkeimer preferiam acentuar o colapso da cultura.

Segundo Adorno, a transformação crescente da cultura em mercadoria, não só afecta a cultura como tende a diluir a ideia de cultura, particularmente a cultura clássica. A consequência previsível é o fim da cultura.

Da Grã-bretanha surgiu outra tradição da sociologia da cultura. Uma tradição mais pragmática onde a cultura é pensada como um instrumento de reorganização de uma sociedade afectada, contribuindo para reorganizar as relações sociais.

Os Cultural Studies têm origem numa critica social da sociedade burguesa do sec 19 e contribuíram para o estuda da cultura como problemática social. É numa relação da conduta de um povo e da cultura de certos grupos desse povo que se desenvolve a decifração da cultura de um grupo social específico. Funciona como contribuição à ordem social estabelecida ou de uma manifestação de adesão à ordem dominante.

Os Cultural Studies têm origem na lógica marxista e por isso têm quase sempre em vista as classes sociais e são influenciados pela antropologia na definição de culturas populares. Este legado tem-se revelado importante para a sociologia da cultura, não deixando de contribuir para a definição e o estatuto da cultura enquanto realidade social instituída.

Os Cultural Studies tiveram um papel muito importante na definição oficial de cultura que hoje se utiliza em politica de âmbito cultural dos governos. Deram dois contributos: por um lado, as sociabilidades são muito mais concretas e ricas do que a abordagem vista de cima; por outro lado, há processos de dominação simbólica.

De que forma o género ou grupo social influencia a cultura?
Estilos de vida (juvenil, diferenças politicas) são resistências à ordem social ou celebrações de impotência perante essa ordem?

O legado dos Cultural Studies contribuiu para o estatuto da cultura como realidade social institucionalizada. Ao prestar atenção a diferentes actividades culturais e ao interessarem-se por outras actividades como o turismo e o lazer, contribuíram para alargar o espaço cultural.

Trata-se de uma versão que se institucionalizou impondo uma diversidade da cultura territorializando a própria vida quotidiana. Alguns autores propõem que se fale antes do cultural e não da cultura.

Clifford Geertz propõe uma definição de cultura como “um padrão de significados transmitidos historicamente” ou seja, um sistema de padrões com modelos de / para a realidade. Quando falamos de padrões estamos a falar da estruturação das práticas sociais.

A cultura não pode ser reduzida a um conjunto de símbolos e padrões. É um conceito que abre para processos através dos quais a cultura se institucionaliza. A cultura é encarada como uma realidade social.
A cultura não pode ser definida. Cabe aos protagonistas. Deve-se assumir como uma sociologia interpretativa que propõe dar conta das formas que vão revestir práticas, corpos e contextos da acção.
Há um duplo modo de objectivação da cultura através do olhar sociológico. Não podemos rejeitar um sentido de cultura e devemos sempre encadeá-la com uma realidade social.

22.2.07

Amostragem e Inquérito

Modelo:
Aspectos metodológicos


Universo (ou População)
O conjunto de unidades de observação que pretendemos estudar (ou, unidades estatísticas). Podem ser indivíduos, famílias, agregados familiares, escolas, freguesias, empresas.
Para a quantificação do universo podem ser utilizados dados do Recenseamento Geral da População (CENSUS) realizado pelo INE de dez em dez anos (último em 2001).

Ex.: “O universo é constituído por indivíduos de ambos os sexos, com 15 e mais anos de idade, residentes em Portugal Continental, em localidades com mais de 10 mil habitantes, em lares com telefone fixo.”

Ex.: “O conjunto dos 7.902 licenciados recenseados na UNL nos últimos cinco anos relativamente aos quais se dispõe de informação completa.”

Universo homogéneo / heterogéneo influencia dimensão da amostra

Amostra
O conjunto de unidades de observação que vamos efectivamente observar.

Ex.: “A amostra é composta por 1006 entrevistas, com uma distribuição proporcional à população residente em localidades com mais de 10 mil habitantes, considerando as variáveis sexo, idade e região.”

Recolha de informação
Como foi recolhida a informação

Ex.: “A metodologia foi de natureza quantitativa, com recolha de informação através da técnica de entrevista telefónica, suportada por um questionário estruturado. A recolha decorreu entre os dias 4 e 26 de Outubro de 2005.”

Plano de amostragem

Tipos de Amostras:
- Amostra Aleatória
- Amostra Estratificada
- Amostra por Cachos
- Amostra por Áreas
- Amostra por Níveis
- Amostra por Fases
- Amostra por Quotas
- Amostra “Bola de Neve”
- Amostra Pensada

A primeira coisa que perguntamos é se existe base de sondagem.
Segunda pergunta é se temos dados para estratificar.

Se tivermos as duas coisas podemos combinar os dois métodos (aleatório e estratificado).
Se tivermos apenas base de sondagem podemos utilizar a amostra aleatória combinada com outra alternativa:
- Se a população for muito diversificada podemos fazer a amostra por fases (primeiro arranjamos dados para estratificar, depois aplicamos os dados na amostra final).
- Se a população for muito homogénea ficamos pela amostra aleatória simples, aumentado o número da amostra.
Se tivermos apenas dados para estratificar, optamos pela amostra por quotas (com a certeza que teremos listagens das regiões ou habitat que poderão ser tirados à sorte) ainda que não tenha listagem dos indivíduos.
Podemos também optar pela amostra por níveis para o primeiro nível e depois pela amostra por quotas para o segundo.

Não temos as duas coisas, nesse caso temos de descobrir ou criar os dados, utilizando a amostra por fases ou recorrendo a processos próximos do aleatório como o random route, ou a técnicas de tiragem sistemática como entrevistar indivíduos de tantos em tantos. Este processo de tiragem sistemática pode ser utilizado para a amostra por cachos.


A Filosofia do Aleatório

A primeira coisa que se tem de perceber é que, para haver tiragem à sorte tem que haver uma listagem exaustiva de todos os indivíduos que compõem o universo. Não pode haver tiragem à sorte sem uma listagem. Se essa listagem é a lista telefónica ou outra qualquer, pouco importa. A listagem de todos os indivíduos que compõem o universo chama-se base de sondagem de uma amostra.

No entanto, não chega que existam listagem para haver uma selecção aleatória; é também preciso que essas listagens estejam completas, correctas e, sobretudo, que correspondam exactamente ao universo que se pretende estudar (a lista telefónica, por exemplo, só contempla os indivíduos com telefone fixo).

Por outro lado é muito importante esclarecer que o recenseamento da população tem dados, informação, mas não tem nenhuma listagem dos indivíduos.

A tiragem à sorte rege-se pelo princípio do aleatório, isto é: a probabilidade de determinadas características aparecerem na amostra é tanto maior quanto for o peso dessas características no universo. No entanto a sorte pode transformar-se em azar, porque existem aquilo a que se chamam erros aleatórios, em que as tiragens à sorte saem muito fora da realidade do universo.

A Filosofia da Estratificação

O objectivo da estratificação é pressupor que, conhecendo as características do universo, num conjunto de variáveis, posso conseguir uma amostra com características idênticas ao universo representando-o bem, quer em relação às variáveis que controlei, quer em relação às outras que desconheço.

Normalmente a estratificação é feita com base em variáveis de caracterização (sexo, idade, nível de instrução, região, habitat, ocupação, etc.) porém, para se poder fazer estratificação é necessário ter dados, informação, sobre o universo.


A grande vantagem teórica da amostra aleatória em relação à amostra estratificada é que a amostra aleatória tem por base uma teoria cientifica que é a teoria das probabilidades (e por isso se pode calcular a margem de erro) enquanto que uma amostra estratificada, não aleatória não tem por base nenhuma teoria cientifica, mas apenas a qualidade dos resultados que vai dando na prática.

Em suma, há dois grandes modelos de amostragem: o modelo aleatório e o modelo de estratificação. O primeiro exige à partida, que haja uma listagem total dos indivíduos do universo. O segundo modelo vai obrigar-nos a fazer a pergunta: será que existem dados que permitam estratificar?

Há três níveis de amostra:
- O primeiro nível, a amostra aleatória em que eu confio totalmente na sorte

- O segundo nível, a amostra estratificada que está a meio. Eu não confio totalmente na sorte e por isso estabeleço quantidades para os estratos que acho importantes, mas deixo a sorte escolher os indivíduos.

- O terceiro nível, a amostra por quotas é o investigador que constrói a amostra.

Cada vez que se pensa fazer uma amostra devemos começar por colocar uma interrogação: Será que, para este universo tenho base de sondagem (listagem)?
Será que possuo dados sobre este universo que me permitam proceder à estratificação?

A primeira hipótese é possuirmos as duas coisas: aqui podemos escolher qual das amostras queremos fazer e até podemos aplicar as duas técnicas de amostragem ao mesmo tempo.

Numa segunda hipótese, se só tivermos a base de sondagem, então optamos pela filosofia aleatória.

Numa terceira hipótese, se só tivermos dados sobre a população, optamos pela filosofia da estratificação.

Finalmente, se não tivermos nada disto podemos fazer uma amostra do “tipo aleatório” ou amostra aleatória impura.

Amostra aleatória pura

Este tipo de amostra exige que se tenham cuidados extremamente elevados para que seja perfeitamente aleatório (por exemplo o sorteio do totoloto ou da lotaria).
Para fazer uma amostra aleatória pura em primeiro lugar é necessário numerar os indivíduos, depois, através de uma tabela de números aleatórios seleccionam-se os indivíduos que se pretende estudar.

Outra forma de amostragem aleatória pura, sem ser necessário numerar os indivíduos é calcular a taxa de sondagem
n (amostra) 400 1 (ou 20000:400=50)
N (universo) 20 000 50
Neste exemplo, vou escolher o primeiro indivíduo com uma tabela de números aleatórios e depois vou escolher de 50 em 50 até ter completado o número pretendido para a minha amostra. Esta técnica, conhecida como tiragem sistemática também pode ser considerada como um método de selecção aleatória pura.

Amostra Estratificada à priori (a)

A amostra estratificada parte do pressuposto que uma simples tiragem aleatória não basta. Embora tirando à sorte, esta amostra garante à partida que determinadas características do universo ficam representadas de forma correcta. Por exemplo num universo com uma distribuição por sexos de 55% de mulheres e 45% de homens, a amostra estratificada terá a mesma proporção.

Esta amostra só pode ser utilizada se houver uma base de sondagem (ou seja: um ficheiro com os nomes e moradas das pessoas) e se tiver dados da população (isto é: saber que percentagem corresponde a cada estrato).

Estratificação Cruzada

Tendo os dados sobre o universo pode-se cruzar variáveis como sexo e região ou idade. A este processo chama-se Estratificação Cruzada.

Para que esta amostra seja exequível são necessárias três condições:
Haver dados sobre o universo para poder estratificar;
Haver listagem ou um ficheiro para se poder tirar à sorte a amostra.
Haver base de sondagem com informação sobre as variáveis de estratificação consideradas no estudo.
Proporcionalidade e não proporcionalidade

Para definir a proporcionalidade da amostra é necessário compreender o que se pretende com o estudo e conhecer o universo. E, claro, sempre as primeiras interrogações: Há listagem? Há dados?

Dependendo dos objectivos do estudo pode ser necessário fazer uma amostra não proporcional para conseguir, assim, obter a opinião de alguns estratos que de outro modo ficariam excluídos.

Se alguém nos encomenda um estudo, é obrigatório perguntar como essa pessoa quer a analise, porque a amostra tem de ser diferente, consoante o tipo de analise que se pretende.

Por exemplo numa amostra distribuída pelos estratos idade, sexo e região pode obter-se:

a) Uma análise total
b) Uma análise por sexo
c) Uma análise por estrato etário
d) Uma análise por estrato regional
e) Uma analise separada de todos os estratos

Para cada um destes cenários pode ser necessário optar por uma amostra proporcional ou não, fazendo a correcção da proporcionalidade à posteriori.

Estratificar à posteriori

Estratificar à posteriori é dar à posteriori um determinado peso a um conjunto de indivíduos, tal como estratificar à priori é dar um determinado peso a um conjunto de indivíduos. Para isso vou utilizar um coeficiente de correcção das respostas: Divido o universo (se for o caso de uma grande cidade) em centenas, e as centenas que correspondem a cada estrato, divido pelo número a que corresponde na amostra. Com o resultado multiplico pelas respostas obtendo assim o valor proporcional.

Por exemplo: 4 milhões são 4000 centenas; se houver dois estratos, um de 500 centenas e outro de 3500 centenas e se para cada um dos estratos entrevistei 400 pessoas, divido 500/400=1.25 e 3500/400=8.75. Este é o coeficiente pelo qual vou multiplicar as respostas.

Estratificar à posteriori exige, tal como em todas as outras estratificações, a existência de dados e de listagem do universo.

É necessário ter em mente o objectivo do inquérito. Embora por vezes a amostra não proporcional permita conhecer melhor os grupos pouco numerosos, ela pode no entanto induzir em erro nos grupos muito grandes.
Separadamente por estrato, uma amostra não proporcional pode estar certa, mas para uma análise global a não proporcionalidade afecta os grandes grupos, devemos por isso procurar o equilíbrio numa amostra ainda que não proporcional, mas que se aproxima da realidade.

As amostras quanto maiores são, menos margem de erro nos dão.

Em suma, estratificar à posteriori implica

a) Conhecer as características do universo em relação às variáveis necessárias.
b) Que a amostra tenha distorções em relação às variáveis que considero importantes (se não tiver distorções não é necessário estratificar à posteriori.
c) Que os objectivos do estudo assim o exijam.

Amostra estratificada à priori (b)

Há dois tipos de amostra:

“Amostra Estratificada” (com base de sondagem)
Amostra por Quotas (sem base de sondagem)

A amostra estratificada, como já vimos, é uma amostra aleatória, ou probabilística. Significa que parte de uma base de sondagem de onde são sorteados os indivíduos. A diferença do método aleatório simples é que não confiamos na sorte e, como temos dados, podemos dividir os indivíduos por diversos estratos.

Mas a amostra estratificada representa ainda um ganho de precisão em relação à amostra aleatória simples, porque podemos ainda dividir a diversidade que existe em cada estrato. Porém, quanto mais estratos menos indivíduos ficarão em cada um deles e por isso menos precisa será a amostra, ou então, o numero de indivíduos a entrevistar tornar-se-á demasiado grande.

Por outro lado dividir os indivíduos por variáveis em que as pessoas podem mentir, altera o resultado da amostra.

Amostra por cachos

- Não tenho base de sondagem
- Não tenho dados
- Tenho listagem de cachos
- Tenho dados sobre os cachos

Acontece muito frequentemente que nos deparamos com o problema de não termos listagem das unidades de observação, ou seja, não temos base de sondagem e assim ficamos impedidos de utilizar a amostra aleatória. Mas, em vez de tirarmos à sorte as unidades estatísticas que nos interessam tiramos conjuntos de unidades estatísticas.

Não temos listagem de indivíduos, mas temos listagem de agrupamentos de indivíduos (escolas, empresas, centros comerciais, igrejas, associações, clubes, etc.).

Ter em atenção que todo o universo a estudar tem de estar contido nos agrupamentos.

Pertence à família das amostras probabilísticas, embora também possa ser utilizada num enquadramento não probabilístico.

Amostra de tipo probabilístico quer dizer que é tirada à sorte. São sorteados os cachos e são sorteados os indivíduos dentro dos cachos. Ou são entrevistados todos os indivíduos de cada cacho.

Porém, se o conjunto dos cachos for muito heterogéneo, isto é, se houver cachos de grande dimensão e outros muito pequenos devo estratificar por tamanho dos cachos e aleatoriamente escolher em cada um dos estratos, procurando evitar que a amostra fica sobredimensionada.

Normalmente estratificam-se os cachos em função da sua dimensão. Mas, ao estratificar em função da dimensão dos cachos, as dimensões dos estratos não são proporcionais ao número de cachos ou à sua dimensão, mas sim à dimensão da população.

Já quanto ao número de estratos depende dos tipos de cachos que se encontrar. Podem ser três estrados, cinco ou mais.

Para que a amostra por cachos, tradicional, aleatória, probabilística, seja utilizada é necessário que ela reúna estas condições:
Cachos numerosos; pouca gente dentro de cada cacho; cachos muito parecidos entre si e dentro de cada cacho o máximo de heterogeneidade que for possível.
Sistematizando, há três situações onde poderemos utilizar uma amostra por cachos:

1 – Quando os cachos são praticamente da mesma dimensão, em numero elevado e com um reduzido numero de individuo em cada um deles. Selecciona-se à sorte os cachos a observar e depois entrevistam-se todos os indivíduos.
Para calcular o número de cachos a seleccionar, divido a amostra pelo número médio de indivíduos que há em cada cacho (para uma amostra de 1000 e cada cacho com 10 indivíduos: 1000:10=100. selecciono 100 cachos).

2 – Quando os cachos têm praticamente a mesma dimensão e com um numero elevado de indivíduos em cada um deles. Selecciona-se à sorte os cachos e depois entrevistam-se alguns indivíduos em cada um deles.
Para calcular o número de cachos a seleccionar divido a amostra por um número razoável de indivíduos (por exemplo: um terço da media de indivíduos por cacho) e obtenho o número de cachos que devo seleccionar (1000:30=33 cachos e faço uma amostra com 990 indivíduos).

3 – Quando os cachos são muito diferentes quer em dimensão quer em características, temos de estratificar o que só é possível se houver dados do universo. Neste caso posso optar por uma amostra não probabilística, utilizando uma técnica diferente para a selecção dos indivíduos. Deste modo estaria a combinar 4 técnicas de amostragem: amostra por cachos, amostra aleatória, amostra estratificada e o tipo de amostra utilizado para seleccionar os indivíduos dentro de cada cacho.

Amostra por áreas

- Não tenho base de sondagem
- Não tenho dados
- Não tenho cachos

É semelhante à amostra por cachos, mas estes têm índole geográfica e não representam um agrupamento natural. Na realidade é o próprio investigador que vai criar cachos artificiais.
Este tipo de amostra é utilizado para produzir amostras em países onde não existe recenseamento nem listagens da população.

A lógica é a seguinte: o investigador, em resultado de uma observação quer cartográfica, quer por foto aérea, quer por observação directa, divide o terreno em áreas de diversas dimensões mas preferencialmente com um número aproximado de indivíduos. Deste modo pode proceder como no exemplo 2 dado na amostra por cachos (semelhantes mas com um numero elevado de indivíduos com características muito heterogéneas.

Não preciso de ter dados, ou de ter listas, só necessito de criar cachos com a mesma dimensão.

Amostra por níveis

A amostra por níveis pode ser incluída dentro do capítulo das amostras probabilísticas, embora normalmente recorra a técnicas não probabilísticas, isto é com um conteúdo não aleatório.

A ideia base desta amostra é muito simples: para responder a um determinado objectivo de amostragem, não vamos proceder a um único momento de selecção, mas vamos dividir essa selecção por vários momentos.

Os vários momentos da selecção podem ser feitos por processo aleatórios, mas esta amostra permite que se utilizem várias técnicas de amostragem, combinando o probabilístico com o não probabilístico.

O recurso a técnicas não probabilistas permite resolver parte dos problemas resultantes da ausência de listagem ou de bases de sondagem, que pela sua inexistência inviabilizavam a amostra aleatória propriamente dita.
A estratificação por habitat que é o indicador do grau de urbanização pode ser um elemento de estratificação numa amostra por níveis. Assim imaginemos a divisão administrativa do país, com os distritos, concelhos e freguesias, cada um representando diferentes níveis. Só no último nível eu vou recolher os indivíduos que são a minha verdadeira amostra.

Mas não estou obrigado a utilizar o aleatório. Se tenho informação sobre os distritos posso estratificar. Melhor ainda posso saltar etapas e partir das freguesias estratificadas, por exemplo em rurais e urbanas, e depois definir níveis mais pequenos (povoações, quarteirões, prédios) até chegar aos indivíduos que são quem me interessa estudar.

É necessário ter em mente as regras da amostra de níveis:

1 – Devo preferir um número elevado de unidades de primeiro nível.
2 – Se possível deve estratificar.

Como o que me interessa obter a representatividade geral, não estou preocupado em criar representatividade ao nível de freguesia. Assim basta-me 3 ou 4 indivíduos recolhidos em cada último nível, obtendo o máximo de pontos de amostragem pelo país. Deste modo consigo obter uma diversificada e representativa do país apesar de não ser representativa de cada uma das freguesias.

Portanto, para haver uma correcta representação na escolha das unidades primárias é preciso que:

1 – O numero de unidades primárias escolhidas seja relativamente elevado, para criar um numero elevado de locais de amostragem, ou de pontos de amostragem, para permitir captar toda a diversidade do universo, porque depois, a diversidade de caracterização dentro do espaço é mais fácil de conseguir.

2 – Se estas unidades primárias forem, no universo, relativamente heterogéneas, há todo o interesse em que essa selecção das unidades primárias seja, não só aleatória, mas também estratificada.

Depois da selecção das unidades primárias, a selecção das unidades secundárias irá assegurar a qualidade, no que diz respeito à selecção das unidades propriamente ditas, havendo, se necessário, recurso à estratificação nesse nível também.

Amostra por fases

- Tenho base de sondagem
- Não tenho dados

A amostra por fases que muitas vezes se confunde com a amostra por níveis é uma selecção feita em dois momentos do tempo.

Numa primeira fase tiro à sorte um número muito elevado de unidades estatísticas (por exemplo: 5000), que vou seleccionar à sorte. Depois faço um inquérito breve onde pergunto as variáveis que me interessam para depois, de acordo com o resultado do inquérito, poder estratificar.

Numa segunda fase, já com dados do universo posso fazer uma amostra final estratificada com um número reduzido de indivíduos (por exemplo 400), sorteados novamente do universo.

- Não tenho base de sondagem
- Não tenho dados

Também posso construir uma amostra por fases sem recorrer ao método aleatório.
Assim, numa primeira fase, recolho os elementos para estratificar, por exemplo seleccionando pontos de amostragem ou áreas para depois seleccionar unidades de amostragem (por exemplo: de três em três). Nesta primeira fase apenas recolho os dados necessários para estratificar. Esta amostra deve ser suficientemente grande para limitar os erros de amostragem.

Depois de trabalhados os dados, posso construir a nova amostra estratificada e com uma dimensão mais reduzida.

Muito importante: Se a opção for pelo processo não aleatório, não basta fazer uma primeira amostra muito grande, ela também tem de ser muito bem pensada. Já se o processo for aleatório podemos garantir que ela seja representativa do universo.

Amostra por quotas

- Não tenho base de sondagem
- Tenho dados

Se a amostra estratificada e a amostra por quotas se baseiam numa estratificação do universo, já na selecção dos indivíduos podemos encontrar diferenças. Enquanto na amostra estratificada, seleccionamos os indivíduos aleatoriamente, na amostra por quotas a selecção é acidental. Isto é, vão-se seleccionando os indivíduos à medida que se encontram.

Assim, construo um elevado número de variáveis para estratificar. Quanto maior for essa estratificação mais difícil se torna encontrar os indivíduos e com isso menos será a interferência do inquiridor.

Para reduzir a influência do inquiridor, divide-se o plano de amostragem em dois níveis:
1 – Selecciona-se os pontos de amostragem.
2 – Seleccionam-se os indivíduos.

Para seleccionar os pontos de amostragem (localidades, por exemplo) já tenho base de sondagem. Posso tirar à sorte, mas se o fizer pode não me sair Lisboa que é maior localidade do país. No entanto, se estratificar, crio grupos homogéneos de localidades e posso recorrer à selecção aleatória. Porém no caso de Lisboa ou Porto, elas são únicas no estrato. Logo, não as sorteio, escolho-as. As restantes localidades são escolhidas em função do número de entrevistas que quero fazer em cada localidade de acordo com as variáveis (regionais) definidas na estratificação. Aqui posso sortear.

Depois na selecção dos indivíduos vou impor regras aos entrevistadores utilizando sistemas próximos do aleatório como o random route. Ou em alternativa posso estabelecer quotas exigindo que entreviste pessoas com determinadas características que não seria possível encontrá-las todas juntas.

Com este processo eu tenho uma amostra quase perfeita, porque foi estratificada por região e habitat, com selecção aleatória das localidades e dentro das localidades impôs-se um caminho aleatório que não deixa espaço de influência ao entrevistador.

Amostra bola de neve

- Não tenho base de sondagem
- Não tenho dados

Para tentar encontrar um grupo muito reduzido de pessoas, a melhor forma é partir de um ponto onde essas pessoas se costumam reunir ou associar. Depois de identificar alguns elementos, fazer a entrevista e no final pedir contactos de outras pessoas com o mesmo interesse ou características. Deste modo vamos construindo a amostra até atingir um número razoável ou o número inicialmente pensado para a amostra.

O menor rigor neste processo é compensado com uma maior homogeneidade do universo.

Amostra pensada

Trata-se da amostra que resulta das hipóteses teorias do próprio investigador. O investigador parte do pressuposto que aquela amostra é o que melhor ilustra determinada realidade. O investigador necessita de ter bases muito concretas para fundamentar a sua opção.

Argumentos para uma crítica genérica ao pensamento de Marx


É possível encontrar nas nossas sociedades contemporâneas (capitalistas) combinações com características específicas das sociedades de “ordens”. Este conceito não é, todavia, similar ao das sociedades medievais (ancien regime) todavia, há uma equivalência, o que permite pensar que as sociedades actuais não são puras (com mercado livre e acentuada mobilidade social).

Este debate à volta da impureza da sociedade de “classe” foi introduzido por um conjunto de sociólogos, a partir da 2ª guerra mundial, num modelo de industrialização. A este processo vão chamar-lhe “pós-industrial”.

A questão da propriedade privada dos meios de produção, que está na base da estratificação social das classes, segundo a teoria marxista, pode não ser a única fonte de estruturação social.
Argumentos: Disseminação da propriedade. Apesar da monopolização das empresas, em resultado da competição no mercado, a propriedade não se concentra num pequeno número de pessoas.
Ocorreram transformações nas estruturas internas das empresas, quer a nível de organograma vertical quer nas relações horizontais. Estas transformações vão criar condições diferenciadas, em termos de controlo da própria empresa, quer através de processos de regulação e controlo da autoridade. Estas alterações tornam-se mais notórias com a revolução dos gerentes, correspondente à categoria profissional dos quadros. O critério da distribuição de poder dentro das empresas já não passa pela posse da propriedade.

A par da questão da propriedade, entra um novo recurso que por vezes não anda em paralelo com o conceito de propriedade e que é caracterizador das diferenças sociais: Conhecimento. Ter ou não ter conhecimento, ter ou não ter informação passa a estar relacionado com a evolução tecnológica e com a forma como se distribuem e maximizam as relações humanas dentro de uma empresa.
Este grupo (gestores), nem sempre está associado à economia (e portanto indirectamente ao capital), vindo das mais variadas áreas disciplinares.

O que fundamenta e justifica a entrada e acesso aos quadros?

Inicialmente é a experiência, como conhecimento (antiguidade), e a fidelidade à figura do empresário. A partir dos anos sessenta, em virtude da massificação escolar, o que vai fundamentar o acesso aos quadros é a posse de um diploma universitário. O mérito empresarial vai deslocar-se para o mérito escolar tendo assim, repercussões directas na distribuição salarial.
A posse se informação e conhecimento, pode não estar associada à posse da propriedade privada dos meios de produção, mas acaba por dar o poder e autoridade no controlo e regulação das empresas (já não são os proprietários que detêm o controlo, mas sim os gestores que controlam a programação da sua organização, quer a nível interno quer a nível externo).
No quadro das empresas, quer os gestores, quer os profissionais de topo das empresas ou os profissionais liberais, funcionam como numa sociedade por ordens, ou seja, com regras próprias (como é o caso das regras e exigências de acesso ao corpo profissional).
Assim os mercados de trabalho são fechados, porque nem todos têm acesso a ele, originando um processo de fechamento social, com o propósito de maximizar os benefícios sociais destes grupos mantendo a posição social valorizada.
Isto é importante, mas não é suficiente, pelo que o mercado se alarga, nomeadamente ao nível matrimonial, criando uma afinidade de estilos de vida. É neste sentido que poderemos considerar estes grupos (gestores, médicos, advogados e funcionários de topo) como estando agregado em ordens, cruzando-se esta com a estratificação em classes sociais.

As três revoluções

As três revoluções ocorridas no século XVIII tiveram um grande impacto na visão do mundo. As desigualdades sociais começam a ser vistas como o resultado da diferente distribuição dos bens sociais e não como o produto de uma organização divina.

As desigualdades sociais passam a fazer parte da agenda politica e a serem discutidas pela ordem pública. Inicialmente esta discussão pertence apenas às elites políticas, ligadas aos grupos dominantes com poder económico, mas ao longo do tempo ela democratiza-se devido ao papel da escola.

Efeitos políticos da revolução francesa:
Constituiu a figura do cidadão.
Instituiu o poder da lei e o poder dos direitos do cidadão face à lei.
Constituiu a política representativa, onde existem corpos políticos nos quais se delega representação.
Instituiu a soberania geral, sendo soberano aquele que é eleito.
Acentua o individualismo, associando-o a uma comunidade universal.
Secularizou as relações familiares, permitindo o divórcio e impondo a igual distribuição familiar por todos os filhos.
Reduziu o papel da família, arrancando os filhos de uma educação familiar, para uma educação escolar, com os professores a representar os interesses do estado e não dos pais.
Estas alterações da propriedade privada, da família e da escola permitiram uma maior mobilidade de ideias, fomentada por uma maior mobilidade física.

Definição de Classe

Significa distribuição de características diferenciadas e individuais, em grupos.
Na classificação por classes existe desigualdade. Os bens sociais, que o estado do século XVIII começa a reconhecer como bens universais, estão desigualmente distribuídos. A classificação por classes diferencia os indivíduos entre aqueles que conseguem utilizar determinados bens e os outros que não o podem fazer.
Com a definição de “classe social” a explicação da desigualdade passa a ser de origem social e humana e não divina.

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A dessacralização dos fenómenos sociais

Antes do século XVIII os fenómenos sociais eram explicados através do divino. Era pela vontade de Deus que as desigualdades sociais se justificavam e esta concepção de ordem social manteve-se até que três importantes acontecimentos ocorreram, marcando uma mudança de mentalidades.

Revolução francesa: Esta revolução, com a sua forte componente politica, inova na medida em que os seus ideais colocam todos os cidadãos perante a lei em iguais circunstâncias, resolvendo assim os problemas das desigualdades políticas.

Revolução Americana: Esta revolução cria condições para que os Estados Unidos da América sejam o primeiro país a experimentar o sistema democrático.

Revolução Industrial: Contribui para profundas transformações económicas.

Estes três acontecimentos contribuíram para a dessacralização social. Foi, no entanto um processo lento, dando origem a novas percepções que contribuíram para uma alteração da forma como os indivíduos olham a sociedade a nível social. Até então, apenas as elites tinham a percepção de que os bens materiais e simbólicos não eram distribuídos por todos da mesma forma.

É a partir destes três acontecimentos que as desigualdades sociais se transformam num problema político. Surgem preocupações ao nível da classificação social, com o estado a procurar criar uma contabilidade pública e sistemas de impostos. Surge uma racionalidade burocrática, criando fronteiras administrativas e através desses dispositivos controlando a regulação social.

Essa racionalidade burocrática torna politicamente visível e com carácter universal que todos os seres humanos pertencem a uma única comunidade que se distingue de outras (animais, põe exemplo). Contratualizam-se e criam-se convenções sociais (contratos como o casamento ou laboral). Esses contratos, tanto se fazem como se desfazem, o que marca uma diferença em relação ao passado, dado que as pessoas estavam presas a esses laços pessoais. Por último, surge uma política de singularidade, através de um processo de individuação – o indivíduo é “arrancado” à comunidade.

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A importância da propriedade

A racionalidade (época das luzes) tem consequências económicas. A razão passa a ser inerente ao próprio crescimento do indivíduo. A revolução industrial deu um rude golpe nas sociedades organizadas em Ordens. Houve uma profunda reestruturação nas relações entre os indivíduos tornando-as em relações de Classes.

Isto significa que, do ponto de vista político, há uma transformação no conceito de propriedade. Isto é: o estado torna legítimo, do ponto de vista jurídico, a existência da propriedade privada, simultaneamente a propriedade torna-se impessoal, deixando de ser da família, igreja ou comunidade, de forma abstracta (da família X; dos duques de Y), passado a ser transaccionável. Com a igualdade de direitos para todos os herdeiros a propriedade vai atomizando-se.

Vão aparecer dois grandes grupos, por um lado os que têm propriedade e, por outro, os que não têm. Estes grupos são diferentes entre eles, mas também internamente. Na linguagem marxista representam a burguesia e o proletariado.

A revolução industrial levou mais pessoas para as cidades e, dentro destas, para um espaço mais circunscrito em torno da fábrica. A industrialização tem consequências quer ao nível do espaço quer ao nível do tempo. Por um lado surgem os bairros operários, por outro o ritmo de trabalho é ditado pela fábrica. A sirene da fábrica passa a marcar o início e final da jornada de trabalho.Com a integração da mulher na população activa, as famílias são obrigadas a gerir de forma diferente o seu espaço doméstico.

As transformações tecnológicas (máquina), associadas a estas novas relações de trabalho, introduz o conceito de produtividade. Com a máquina os operários produzem mais, com menos esforço.

Todavia existe o reverso da medalha. Com as novas tecnologias surge um processo de alienação. A máquina desumaniza o homem. A rotina do trabalho também. Por outro lado, a propriedade, sendo impessoal e transaccionável tende a tornar-se monopolizável e susceptível de ser cartelizada.

Aumenta a autonomia dos indivíduos (Individuação)
Os quadros normativos tornam-se mais abstractos (Abstracção)
A modernidade promove a mobilidade, quer ao nível de trocas comerciais, quer de pessoas e ideias. Os laços entre os indivíduos generalizam-se (Generalização)

As Classes Sociais segundo Marx

A revolução industrial transformou por completo as relações económicas, bem como a separação da igreja e estado. Isto permite que, em 1848, Marx escrevesse o manifesto do partido comunista. Nesse manifesto, Marx já identifica os três princípios de análise das classes sociais.

Princípio da Identidade.
Princípio da Oposição.
Princípio da Totalidade.

O princípio da oposição significa que as classes não existem separadamente, mas resultam da relação que estabelecem com outras classes. Essa relação é assimétrica, dando origem a oposições de interesses. É através desse conflito de oposição que se produz a identidade de classe.

A infra-estrutura económica e a superestrutura política

É no âmbito da infra-estrutura económica e da superestrutura politica que se articula o conceito de classe social.

Conceitos fundamentais de Marx:
Modo de produção: Este conceito é designado como sendo um ideal tipo.
Formação social: Refere-se a um território administrativo, jurídico, politico, etc. (portuguesa, chinesa).

O modo de produção tem uma capacidade explicativa de uma dada função social. Tipifica um conjunto de relações económicas entre classes (infra-estruturas dos meios de produção) e a expressão politica, doutrinal e ideológica ao nível da superestrutura. É por isso que o modo de produção esclavagista, tem um quadro estrutural de relações económicas entre as classes e uma expressão politica completamente distinta do modo de produção capitalista.
Todavia, numa dada formação social concreta podem, em certos momentos da história, coexistir mais do que um modo de produção.

Infra-estrutura económica: revela uma dada distribuição das classes, num quadro de relações económicas, consoante os modos de produção. Essa estrutura apresenta uma configuração específica (um tipo especifico de relações entre classes.
Marx aprende com os historiadores que a conservação, ou alteração dessa estrutura, está também dependente da superestrutura, ou seja, da expressão politica, ideológica e doutrinal dessa superestrutura.
Marx, para além destes conceitos, e no âmbito dos modos de produção, apresenta mais dois:

Forças produtivas.
Relações sociais de produção.

Forças produtivas: Esta noção engloba a força de trabalho humano (acrescenta valor ao trabalho) e os meios tecnológicos associados aos instrumentos de trabalho.
As mudanças que se vão alterar na força de trabalho humano e nos instrumentos, vão ter influência na forma como o trabalho é organizado (sistema feudal ou capitalista), passando de uma forma de organização assente na terra, para outra assente na fábrica.
Relações sociais de produção: As mudanças de modo de produção, ou alterações num modo de produção resultam de um conflito entre as forças produtivas e as relações sociais de produção. Para Marx as mudanças são mais rápidas no âmbito das forças produtivas do que no âmbito das relações sociais de produção.

Modos de produção identificados por Marx

Modo de produção do comunismo primitivo
Modo de produção esclavagista
Modo de produção feudal
Modo de produção capitalista
Modo de produção comunista – socialista final

Estas alterações entre os vários modos de produção têm a ver com as mudanças que se vão verificando na divisão social do trabalho a partir do momento em que as populações se fixam (no comunismo primitivo não havia essa divisão, mas sim uma divisão sexual do trabalho). Deste modo, a divisão social do trabalho resulta dos excedentes da produção (uns produzem, outros vendem). Surge a especialização do trabalho.

A historia dos modos de produção, segundo Marx, resulta das complexidades que se vão verificando na divisão social do trabalho que, por sua vez resulta da complexidade das relações sociais de produção e das forças produtivas.

O modo de produção socialista final é projectado por Marx como o fim da propriedade e, por isso, também o fim das desigualdades entre as classes. Segundo Marx, o sistema capitalista criou os factores do seu próprio desaparecimento. A competição económica favorecida pelo sistema de mercado liberal, fez com que houvesse na história do capitalismo uma concentração das empresas, tendo como efeito o desaparecimento das empresas mais fracas que, assim, eram absorvidas pelas empresas mais fortes. Assistiríamos, portanto a uma concentração dos capitais, reduzindo, e transformando a burguesia numa classe muito minoritária.
Por outro lado, com o alargamento da classe do proletariado, os trabalhadores assalariados iriam ficar cada vez mais pobres, criando um cenário de conflito social (luta de classes) entre trabalhadores e a pequena burguesia.
Para resolver o conflito, Marx propõe a passagem a um novo modo de produção em que a maioria (o proletariado) toma o poder, pondo em prática a ditadura do proletariado, fundamentada na abolição da propriedade. Isto porque, para Marx, o critério fundamental da exploração capitalista reside na existência jurídica da propriedade. Abolindo juridicamente a sua existência, automaticamente desaparecem as desigualdades entre as classes.

Nas origens do pensamento de Marx

O conceito de estrutura social é amplo e dá-nos um primeiro desenho de como as pessoas se distribuem no sistema social.
A estrutura de classes é um caso particular. É um conceito de estrutura social mais amplo e desenha um conjunto de relações entre as classes, em função do lugar que as classes ocupam no sistema de relações económicas. Pretende-se mostrar que as relações entre os grupos sociais são a expressão do sentido de lugar que estes grupos ocupam na estrutura das relações económicas.

Anteriormente, já havia a ideia de que existiam actividades, mais pesadas umas dos que as outras, em que era necessário pessoas adequadas para cada função (por exemplo: os escravos). Havia também uma ideia quanto à distribuição dos bens com base teológica (critérios divinos).
A partir do séc. XVII começam a surgir as primeiras reflexões sobre esta dicotomia entre fortes e fracos.

La Bruyére produziu um livro (“Les Caracteres”) onde discute a existência de diferentes formas psicológicas de estar socialmente. Entre os nobres e o povo, o objecto que fazia a diferença era a reacção perante a morte. Ele dizia que os nobres não tinham medo perante a morte, estando sempre prontos para o duelo (respeito pela sua dignidade), mesmo que isso pusesse em causa a sua vida. Ao contrário, o povo tinha medo perante a morte, porque não deixavam herança nem linhagem.
Estes dois pensamentos distintos eram, na opinião de La Bruyére, influenciados pelo lugar que estes ocupavam na sociedade de ordens (uns em cima e outros em baixo).

Jerónimo de Molina escreveu o livro “Vivir contra la fortuna”. Tinha características semelhantes ao anterior, ou seja, analisava as diferenças de comportamentos, mas em relação à alimentação. Os nobres, como se alimentavam bastante, produziam sangue de melhor qualidade.

Assim, no séc. XVII começa a esboçar-se um pensamento centrado nas diferenças sociais e não centrado numa explicação teológica. Este pensamento está relacionado com as condições políticas e económicas dos respectivos países: nessa altura França e Espanha estavam muito ancoradas ainda na sociedade de ordens.

Sensivelmente na mesma altura, mas em Inglaterra, que tinha, então um grau de evolução superior ao de França ou Espanha, Gregory King, autor de “Aritmética Política”, resolve dar um primeiro desenho da forma como era distribuído o rendimento nacional inglês. Assim, através de uma base de cálculo cuja unidade de observação são as famílias, fazia a média do rendimento de cada agregado familiar para obter o rendimento global nacional. Concluía que a forma como o rendimento é distribuído tem efeitos políticos. Percebem-se assim que havia famílias que tinham mais rendimentos do que outras, originando uma divisão em classes.

Em meados do séc. XVII e inicio do séc. XVIII, em França, um economista Richard Chantillon tentou elaborar um primeiro circuito económico, ou seja, um primeiro olhar sobre a distribuição dos bens económicos. Primeira ideia central: apesar de em França a base económica continuar a ser a agricultura, já se estava a desenvolver o renascimento das cidades, fruto do desenvolvimento do comércio. Isto surge com a exploração da economia mercantil. Começas assim a florescer outros mercados, para alem dos mercados agrícolas.
O autor percebeu que havia uma circulação de bens económicos entre o campo e a cidade (a economia combinava e articulava o mercado urbano e agrícola). Percebe ainda que há três grupos, com três tipos de rendimentos associados a três tipos de actividades:

Aqueles que detinham a propriedade da terra.
Os trabalhadores agrícolas.
Os comerciantes e artesãos que viviam nas cidades.

Perante estes grupos, o autor identificou as seguintes dinâmicas:
Os trabalhadores agrícolas eram o grupo produtivo dos outros dois. A força dos proprietários da terra, uma vez que tinham influencia politica permitindo o acesso ao poder monárquico, fazia com que os dois outros grupos ficassem dependentes dele.
Os rendimentos estavam assim distribuídos: dois terços estavam ligados aos trabalhadores agrícolas, um terço estava distribuído pelos proprietários da terra. Porém os proprietários da terra gastavam todo o seu terço na cidade, enquanto que os trabalhadores da terra gastavam um quarto de dois terços (portanto 1/6) na cidade, sendo o restante reinvestido nos campos. Assim metade dos rendimentos ião parar às mãos dos comerciantes.

Mais tarde, em plena revolução industrial, um outro economista – David Ricardo, desenvolve uma teoria económica em torno do valor do trabalho. Surge uma primeira análise anatómica do sistema capitalista, porque identifica o nó central que está na base da exploração capitalista.
O autor afirma que o valor da mercadoria é medido pelo valor do trabalho humano acrescentado a essa mercadoria. Esta análise está no centro dos custos de produção da economia capitalista. David Ricardo distribuiu o rendimento económico em Inglaterra, por três grupos:

Os proprietários das terras (viviam das rendas).
Os capitalistas (viviam dos rendimentos da actividade empresarial).
Os assalariados (viviam do seu trabalho).

Ele identifica dois tipos de conflito entre os proprietários da terra e os capitalistas, uma vez que a subida das rendas aumentava o custo de produção empresarial que por sua vez se repercutia nas condições de vida dos assalariados. Havia ainda outra dicotomia entre os capitalistas e os assalariados, porque havia uma relação inversa entre os lucros e os salários (quando os lucros aumentavam os salários baixavam e vice versa).

No mesmo período, surge em França Quesnay e a corrente “fisiocrata” , associada à importância da terra. Quesnay divide a sociedade francesa em três grupos:

Proprietários das terras
Classes produtivas
Classes improdutivas

As duas últimas classes estavam na dependência da primeira.

Lição a tirar destes economistas:

Há aqui um esforço de pensamento económico, para explicar as desigualdades sociais. Estas desigualdades só podem ser explicadas a partir da condição de classe, no quadro das relações dessas classes no sistema económico.

Há, ainda, um contributo do historiador da revolução francesa, Therry et Guizet que desmontou o mito do terceiro estado. Ele afirma que este grupo era fraccionado, havendo ambiguidade de posições do povo face ao conflito político, defensor dos interesses burgueses e partidos aristocratas.

O sistema das relações económicas é determinante, nas relações entre as classes, mas é determinado pela explicação politica dessas relações. O sistema das relações económicas vai espelhar a estrutura politica. Vai levar a uma articulação entre a infraestrutura económica e a superestrutura política.

Organização e distribuição das diferenças sociais

Os conceitos de ORDEM, CASTA e CLASSE, são formas de representação social diferenciadas, onde são codificadas essas representações.
As formas de representação social têm interferência no modo como os indivíduos se comportam nas relações com os outros e o comportamento tem a ver com a forma como os actores sociais se relacionam entre eles.

Quando atribuímos sentido às coisas, produzimos representações sociais. Estas representações sociais evidenciam múltiplos registos de uma realidade social organizada segundo diferenças sociais. Desta forma os actores objectivam a aproximação ou o afastamento entre eles (ou se identificam ou não se identificam; ou há afinidade ou não há; ou pertencem ao mesmo grupo ou não pertencem), estabelecendo diferentes graus para mediar essa distância.
Os actores representam porque observam. E, ao observar, percepcionam essa realidade. Depois de captada, a realidade é socialmente trabalhada, sendo em seguida representada. Porém, nem todos os actores observam e representam da mesma forma esta realidade social. Há aqui uma relação directa com os atributos e trajectórias sociais (onde nascemos, o percurso social que fazemos, a mobilidade social que temos, o que lemos, etc.).
Estas diferentes formas de organizar as diferenças, seja em Ordens, Castas ou Classes, devem-se ao modo como os diferentes actores percepcionam e organizam a realidade social. Ou seja, a forma como os actores percepcionam a hierarquia das relações de poder e de autoridade, são também elas distintas nos diferentes sistemas sociais.

Sociedade de Ordens

Aparecem organizadas na idade média na Europa Ocidental. Do ponto de vista da configuração politica, as ordens tinham um peso muito forte em relação ao Estado. Toda a representação da sociedade de ordens estava organizada nas crenças, valores e ideais produzidos pela ordem, ou estado, dominante. Os seus valores predominantes eram aqueles que eram trabalhados pelo estado dominante. O critério era a linhagem, “o berço” da família. Neste sentido as relações de conjugalidade tinham uma forte tendência “endogâmica”. Assim preservavam-se as fronteiras dos “Dominantes”. Apesar de alguma mobilidade entre as classes, o seu percurso era lento, sendo necessário três gerações até o individuo ser aceite como elemento do grupo.

Sociedade de Castas

As sociedades de castas assentam na pureza religiosa. São grupos sociais fechados, com casamento endogâmicos e uma reduzidíssima mobilidade social. Nesta sociedade, os indivíduos não ascendem socialmente, mas é toda a casta que pode ascender a um nível social superior. O comportamento do indivíduo pode levá-lo a ser banido da sua casta, obrigando à criação de uma nova sub-casta a que pertencerão todos os seus descendentes.

Sociedade de Classes

O critério passou a ser o acesso à propriedade privada, dos meios de produção. A revolução industrial produziu uma profunda alteração na divisão social do trabalho, porque tornou claro, do ponto de vista social, a relação entre aqueles que trabalham e os que são detentores dos meios de produção.
A sociedade rompe com a barreira dos costumes e da tradição, porque assenta no princípio de igualdade dos cidadãos perante a lei, permitindo uma maior mobilidade geográfica e social. O critério de conjugalidade deixa de ser o único critério que enforma os projectos e as dinâmicas sociais.

12.2.07

Do Empresário ao Gestor

Segundo Max Webber, o espírito do capitalismo assenta em três vectores importantes:
- Empresa
- Empresário e
- Racionalidade Burocrática (risco calculado; planeamento na base do risco).

Porém, em 100 anos de capitalismo ocorreu uma importante mudança:
O Empresário foi substituído pelo Gestor.

O capitalismo, inicialmente atomista e familiar, assente no conceito de projecto e na moral que esse projecto traduz na moral económica, passa, devido à concorrência na conquista dos mercados, a basear-se na eficácia, produzindo mais com o menor custo possível. Quem ganha já não é quem arrisca, mas quem tem mérito.

É nesta altura que ganha importância o diploma escolar como fundamento das relações dentro da empresa.
Simultaneamente as sucessivas fusões entre empresas familiares dão origem a empresas de grandes dimensões que se transformam mesmo em monopólios ou oligopólios. A figura do empresário dilui-se e transforma-se em accionista. É neste quadro que os gestores começam a ter cada vez mais peso.

“Les cadres” de Luc Boltanski explica bem a ascensão dos gestores.

Os quadros nascem e constituem-se como produto de um trabalho político, desenvolvido por certos Porta-vozes (em particular engenheiros ligados à igreja católica), como forma de constituir um certo equilíbrio social na conflitualidade existente entre operários e proprietários. Transforma-se assim num corpo para amortecer a conflitualidade entre os dois pólos extremos do conflito de classes (a burguesia proprietária e o operariado).

A génese dos quadros desenvolve-se com a expansão das classes médias.
O princípio do poder e da autoridade assenta na antiguidade do posto como gratificação para a mobilidade profissional. Só a partir dos anos sessenta o diploma escolar passa a constituir fundamento da autoridade e do poder. Simultaneamente decorre o processo de massificação das universidades.

Esta alteração vai dar novas dimensões ao mercado. A propriedade privada dos meios de produção vai concorrer com outros recursos, entre os quais se destacam o capital cultural (na sua dimensão escolar) e o capital social.

Formação das representações sociais

Condutas desviantes

Não é a sociedade que obriga a determinados comportamentos, mas sim um conjunto de actores sociais que estão mandatados para tal.

Universo simbólico

(verificar definição)

Terapêutica
Mecanismo através do qual os actores com comportamento desviantes se mantêm integrados nas instituições (psicanálise, psicoterapia, acompanhamento)
Conhecimento desenvolvidos por peritos identificam os problemas e explicam porque é que ocorrem e qual a forma de actual sobre eles.

A terapêutica é tanto mais eficaz quanto mais os actores desviantes entenderem que a sua situação é um problema e que são deficitários face à sociedade. Desenvolvem-se sentimentos de culpa, vergonha nos indivíduos.

Mecanismos de aniquilação
Visam liquidar os indivíduos desviantes.
Pode ser Conceptual – quando se atribui um status inferior a um grupo étnico.
Pode conduzir à liquidação física por formas de justificação de que “não há nada a fazer e são um risco”.
Aplica-se a grupos ou indivíduos que não são integrados na sociedade a que pertencem.

Nas sociedade contemporâneas e pluralistas torna-se mais difícil accionar de modo eficaz os mecanismos terapêuticos e de aniquilação.

1 – Porque nas sociedades pluralistas se verifica uma forte legitimação (autonomia) e complexidade com formas de conhecimento separadas
2 – Porque surgem formas de legitimação divergentes com modelos de comportamento divergentes e nalguns casos divergentes do modo de funcionamento da sociedade. Estas formas de legitimação coexistem no mesmo espaço e no mesmo tempo.
3 – Porque o desenvolvimento dos meios tecnológicos, designadamente dos meios de comunicação com contacto mais fácil às diferentes formas de legitimação (provocam um estreitamento do espaço e tempo).

Peritos
Ao tentarem impor a sua versão do conhecimento, os peritos possuem recursos diferentes: económicos e simbólicos.
Ocupam posições sociais concretas e portanto têm interesses sociais a defender. Esses interesses têm influência no conhecimento que produzem
Quanto mais poder simbólico seja conferido a esses peritos, tanto mais o conhecimento por eles produzido é aceite.

Ideologia
(ver definição)

Interiorização

Exteriorização → Objectivação → Interiorização

São as 3 dimensões da construção social da realidade

Representam a forma como a sociedade é

Produzida → Questionada → Entendida

A construção social dos indivíduos resulta da sua construção da sociedade.

O processo como a interiorização da sociedade se desenvolve é a socialização

Socialização
Consiste na ampla e consistente introdução de um indivíduo no mundo objectivo de uma sociedade ou num segmento particular dessa sociedade.

Linguagem
É o mais importante instrumento de socialização. É através da linguagem que se traduzem os esquemas que são interiorizados na vida humana.

Socialização primária
A socialização na infância. Estabelece uma relação de grupo de pertença na qual o indivíduo se posiciona. Posição social e de classe.
Nesta fase não se coloca o problema de identificação mas sim o de pertença. Não se questiona, pertence à única forma de conhecimento possível.
Há o reconhecimento que esta forma de socialização decorre de altos graus de emoção.
Ex.: Família, Parentesco, Nação, País.

Socialização secundária
Qualquer processo subsequente à socialização primária, com o individuo já socializado. Resulta na inscrição no indivíduo de um conjunto de conhecimentos estritos (escolar, militar, profissional, juvenil, tribal), aprendidos no interior de grupos sociais ou instituições sociais específicas.
Já não é dado como adquirido mas pode ser escolhido ou rejeitado. Tem carácter opcional.

Condutas desviantes e processos de socialização

Condutas desviantes

Não é a sociedade que obriga a determinados comportamentos, mas sim um conjunto de actores sociais que estão mandatados para tal.

Universo simbólico

(verificar definição)

Terapêutica
Mecanismo através do qual os actores com comportamento desviantes se mantêm integrados nas instituições (psicanálise, psicoterapia, acompanhamento)
Conhecimento desenvolvidos por peritos identificam os problemas e explicam porque é que ocorrem e qual a forma de actual sobre eles.

A terapêutica é tanto mais eficaz quanto mais os actores desviantes entenderem que a sua situação é um problema e que são deficitários face à sociedade. Desenvolvem-se sentimentos de culpa, vergonha nos indivíduos.

Mecanismos de aniquilação
Visam liquidar os indivíduos desviantes.
Pode ser Conceptual – quando se atribui um status inferior a um grupo étnico.
Pode conduzir à liquidação física por formas de justificação de que “não há nada a fazer e são um risco”.
Aplica-se a grupos ou indivíduos que não são integrados na sociedade a que pertencem.

Nas sociedade contemporâneas e pluralistas torna-se mais difícil accionar de modo eficaz os mecanismos terapêuticos e de aniquilação.

1 – Porque nas sociedades pluralistas se verifica uma forte legitimação (autonomia) e complexidade com formas de conhecimento separadas
2 – Porque surgem formas de legitimação divergentes com modelos de comportamento divergentes e nalguns casos divergentes do modo de funcionamento da sociedade. Estas formas de legitimação coexistem no mesmo espaço e no mesmo tempo.
3 – Porque o desenvolvimento dos meios tecnológicos, designadamente dos meios de comunicação com contacto mais fácil às diferentes formas de legitimação (provocam um estreitamento do espaço e tempo).

Peritos
Ao tentarem impor a sua versão do conhecimento, os peritos possuem recursos diferentes: económicos e simbólicos.
Ocupam posições sociais concretas e portanto têm interesses sociais a defender. Esses interesses têm influência no conhecimento que produzem
Quanto mais poder simbólico seja conferido a esses peritos, tanto mais o conhecimento por eles produzido é aceite.

Ideologia
(ver definição)

Interiorização

Exteriorização → Objectivação → Interiorização

São as 3 dimensões da construção social da realidade

Representam a forma como a sociedade é

Produzida → Questionada → Entendida

A construção social dos indivíduos resulta da sua construção da sociedade.

O processo como a interiorização da sociedade se desenvolve é a socialização

Socialização
Consiste na ampla e consistente introdução de um indivíduo no mundo objectivo de uma sociedade ou num segmento particular dessa sociedade.

Linguagem
É o mais importante instrumento de socialização. É através da linguagem que se traduzem os esquemas que são interiorizados na vida humana.

Socialização primária
A socialização na infância. Estabelece uma relação de grupo de pertença na qual o indivíduo se posiciona. Posição social e de classe.
Nesta fase não se coloca o problema de identificação mas sim o de pertença. Não se questiona, pertence à única forma de conhecimento possível.
Há o reconhecimento que esta forma de socialização decorre de altos graus de emoção.
Ex.: Família, Parentesco, Nação, País.

Socialização secundária
Qualquer processo subsequente à socialização primária, com o individuo já socializado. Resulta na inscrição no indivíduo de um conjunto de conhecimentos estritos (escolar, militar, profissional, juvenil, tribal), aprendidos no interior de grupos sociais ou instituições sociais específicas.
Já não é dado como adquirido mas pode ser escolhido ou rejeitado. Tem carácter opcional.

O controlo social

O controlo social decorre do facto das instituições sociais tipificarem quer as acções que os actores sociais devem desenvolver, quer os actores que as devem executar.

O controlo do desempenho dos indivíduos nas instituições é feito pelo papel social, no fundo, o que cada actor deve fazer e o que é licito esperar de cada um.

Para Ralf Dahrendorf, os papéis sociais são conjuntos de expectativas dirigidas aos ocupantes de posições numa dada sociedade.

"Os que beneficiam de determinadas posições estão dotados do direito de tomar decisões quanto a quem faz o quê, quando e como. Os que beneficiam de outras posições têm de submeter-se a estas decisões. Nem as ordens dadas e obedecidas na industria estão confinadas a tarefas de trabalho técnico: assalariamento e despedimento, a fixação de níveis salariais e de sistema de trabalho à peça, a introdução e controlo de regulamentações disciplinares, e outros modos de comportamento fazem parte das expectativas de funções dos que beneficiam de posições de autoridade na empresa e dão azo à sua estrutura de escala ou de autoridade. Para o operário industrial, o contrato de trabalho implica a aceitação de um papel que é, inter alia, definido pela obrigação de obedecer às ordens de determinadas pessoas."
(Ralf Dahrendorf)

Característica dos papeis sociais e dos papeis teatrais.
- Indicam algo que está fora do actor
- Algo que é conferido ao actor e não inato
- Corresponde a um conjunto de comportamentos esperados
- Esse conjunto de comportamentos tem que ser aprendido pelo actor antes de o saber representar.
- Nenhum papel esgota toda a representação desenvolvida pelo actor. Ele pode desempenhar múltiplos papéis.